Metzora

CENTRO CRISTÃO DE ESTUDOS JUDAICOS

Estudo da Parasha da Semana – Cristãos estudando as fontes judaicas

Metzora  – Lv 14,1 – 15,33

 

Alguém fez grandes partes de seus escritos e discursos publicos quase há cem anos atrás. Ele não teve uma educação secular e chega-se até a duvidar que tenha lido algum jornal na vida. Contudo, ele teve percepções, insights diantge dos problemas do seu tempo que eram impressionantes, até mesmo proféticos.

Seus diagnósticos sobre doenças do início do século vinte são sustentadas até agora, um século depois. Ele entendeu o poder das palavras. Ele sabia que como as palavras forem escritas e faladas poderiam ser usadas como armas para destruir a humanidade. Como incrivelmente suas palavras são importantes em nossos dias quando as palavras podem ser comunicadas digitalmente!

Ele fundamentou seus ensinamentos e pregações sobre o versículo nos Salmo, onde se lê:

“Existe alguém que deseja a vida e anseia por longos dias para saborear o bem? Preserva tua língua do mal, e teus lábios de palavras mentirosas.”(Sl 34, 13-14)

Ele levou muito a sério este conselho bíblico e encorajou a todos para ouvir e preservar suas línguas e falas de toda malícia e falsidade.

Seu nome era Yisrael Meir HaKohen, e o nome da sua primeira grande obra foi Hafetz Haim (Desejos de Vida), sobre o versículo anterior dos Salmos. Ele agora é parte da História Judaica e para sempre conhecido como Hafetz Haim.

Seu ensinamento tem uma especial conexão com a Parashat Metzora (Lv 14-15) e sua Haftará (2Rs 7,3-20). Perceba que não existe uma referência explícita no texto de nossa parasha Metzora com o tema da negatividade dos poderes da linguagem, nem alguma referência na haftarah.

Nosso texto administra, ou melhor, detalha as leis da metzora, comumente traduzida por ‘lepra’ e a seção do 2Rs conta-nos a história de quatro leprosos que se encontravam fora dos portões da Samaria, que foram os primeiros a descobrir o acampamento abandonado dos Arameus que tinham cercado a cidade.

A tradição rabínica, contudo, procura entender por que metzora foi afligida com esta doença. O Talmud no seu tratado Arakhin entende que a palavra metzora é uma contração da frase “mozti shem ra”, quando alguém espalha um julgamento mau sobre o outro. E assim, a metzorah vem para simbolizar a pessoa sobre quem é culpado da murmuração maliciosa (lashon hara), ou outro abuso de palavras – decepção, mundaneidade e assassinato verbal.

Interessantemente, outro sábio rabínico do início do século vinte, Rabbi Baruch Epstein, autor da Torah Temina, indica que os rabinos do Talmud tiveram licença para interpretar a palavra metzora. Isto por causa que o termo comum para a lepra é tzarusa, não mezorah. O uso não comum do termo sugere outro significado, neste caso, de um significado homilético – aquele que fala mal.

Quando o Hafetz Haim insistia que era preciso que todos “preservássemos nossas línguas” e “não falássemos mal”, estava nos sugerindo para adotarmos o silêncio como um comportamento da nossa língua, evitando o discurso e opinar algo inteiramente?

A resposta para essa questão é um redundante “não”, e isso é ilustrado pela fascinante história sobre Rabbi Yisrael Meir e seu genro, Rabbi Hershel Levinson. Encontrei esta história numa biografia em língua Ídiche do Hafetz Haim, escrita por Moshe Mayer Yashar.

Rabbi Hershel, o genro, era um homem muito piedoso que empreendeu todos os seus dias no salão de estudo, e que raramente falava. Muitos acreditavam que ele era muito mais santo do que seu venerável sogro. E além disso, seu sogro falou sobre todos os assuntos, e ensinou e pregou, e até mesmo brincava, em qualquer oportunidade.

Contudo, Hafetz Haim, não aprovava inteiramente essa atitude de evitar falar de seu genro e seu completo silêncio devocional sobre problemas mundiais. Antes até, ele insistia que as pessoas devem fazer uso dos dons do discurso, e usá-los amplamente e frequentemente, embora de modo sábio e cuidadoso. Silêncio, para o Hafetz Haim, não era o seu modo preferido para viver. Discurso que cuidadosamente evitava a fofoca, insultos e a mundaneidade era o seu preferido comportamento.

Hoje, existem grupos de pessoas muito bem intencionadas que enfatizam os perigos da lashom hara. Algumas vezes, eu temo, eles o fazem evitando falar negativamente quando tal discurso seria bem necessário. Eles por vezes, evitam protestar contra um comportamento criminoso por recearem estar fazendo algo malicioso sobre um criminoso.

Esse não era o caminho do Hafetz Haim. No livro acima mencionado, pelo título que já conhecemos, ele enfatiza que existem oportunidades quando alguém deve usar sua fala para advertir o pecador ou más pessoas ou para protestar contra brechas feitas na Torah, ou contra a lei moral universal. Quando uma fala negativa tem um objetivo benéfico, não deve mais ser considerado negativo, mas na verdade se torna uma mitzva.

Os quatro leprosos foram descritos na narrativa presente na haftarah  de nossa parasha onde estavam localizados fora dos portões da Samaria porque isso era o que a Torah ordenava aos leprosos. Eles não foram ter contato com os moradores da cidade, talvez por medo que sua condição era contagiosa.

Eles estavam, portanto, condenados ao silêncio. Eles não podiam se comunicar com seus amigos e sua família dentro dos portões da cidade. Então não era surpreendente de fato que quando eles acharam o acampamento do exército Arameu abandonado, eles decidiram manter o segredo para si mesmos. Mas quando em 2Rs 7,9, eles caíram em si e sua consciência decidiu:

Disseram entre si: “Não está certo como estamos agindo. Este é um dia de boa notícia, e nós nos calamos! Se não comunicarmos a notícia até amanhã, seremos denunciados como criminosos. Vinde, vamos levar a notícia ao palácio real”. Ao chegar, chamaram os porteiros da cidade e contaram-lhes.

Palavras podem fazer mal, mas também podem curar, fazer cicatrizar. Este foi o ensinamento de Rabbi Yisrael Meir HaKohen. Talvez ele possa ser bem sintetizado nas palavras de Eclesiastes (Kohelet):

Existe tempo para tudo...
Tempo para silenciar
e Tempo para falar. (Ecl 3,7)