Parasha Chukat

PARASHÁ – CHUKAT – Nm 19,1 – 25,9 – Centro Cristão de Estudos Judaicos
P. Fernando Gross – Cristãos estudando as fontes judaicas – Julho 2020

Deixe-me repetir – Rav. Tzvi Hersh Weinreb[1]

O poema teve um lugar de destaque no quadro de avisos da nossa cozinha por muitos anos. Tínhamos recortado de uma revista feminina e, embora fosse muito açucarado e sentimental para o meu gosto pessoal literário, foi muito encorajador para mim e minha esposa quando criamos nossas filhas adolescentes. O poema foi escrito por uma mãe de meia idade e descrevia uma visita que ela teve com a filha, agora crescida, tomando chá em uma bela tarde.

Há muito que perdemos nossa cópia desse poema, mas sua mensagem permanece tão clara quanto o dia. O poema relata como, durante o chá naquele dia, a mulher mais jovem agradeceu à mãe por todas as lições que aprendeu dela. Ela confessou que certa vez considerou inúteis e irritantes os ensinamentos repetitivos de sua mãe sobre o comportamento adequado. Mas ela agora passara a apreciar o quão útil e importante esses ensinamentos eram. Agradeceu à mãe o que aprendeu e expressou uma gratidão especial por sua paciente repetição dessas lições. A mãe termina o poema com uma expressão de orgulho em si mesma e na filha.

Este poema e sua lição vieram à mente recentemente - apenas outro dia, de fato - quando visitei a sinagoga onde servi como rabino alguns anos atrás. Um jovem que eu lembrava quando adolescente se aproximou de mim e disse que achava que me devia um pedido de desculpas. Ele passou a me dizer o quanto lamentava por não apreciar minha tendência, em meus sermões e palestras, de enfatizar repetidamente a importância da tradução precisa das palavras e frases hebraicas.
"Cada vez que você insistia que a tradução comum de, por exemplo, kedusha como 'santidade' não era muito precisa, nós, crianças, revirávamos os olhos exasperados. Às vezes, três ou quatro vezes isso era feito em apenas um sermão". Ele então me contou como ele e seus amigos haviam entendido a importância das nuances, especialmente na tradução do hebraico bíblico para o inglês.

Devo confessar que ainda hoje preservo essa tendência a me repetir, e isso nem sempre é atribuído à minha “condição senil”, cada vez mais frequente. Pelo contrário; consciente e intencionalmente repito assuntos que considero importantes, especialmente em meus discursos públicos. Baseei minha convicção de que a repetição é necessária e eficaz com base no comentário de um grande homem em uma passagem da porção da Torá desta semana, Parshat Chukat (Nm 19,1 – 22,1).

A história é bem conhecida. Os Filhos de Israel reclamam com Moisés e Arão sobre a falta de água no deserto. Eles se prostram em oração, e o Todo-Poderoso responde dizendo a Moisés que pegue seu cajado, reúna o povo e fale à rocha que está diante de seus olhos. O Senhor assegura a Moisés que ele poderá tirar água suficiente da rocha para o povo e seus rebanhos.

Moisés toma o cajado, reúne o povo e castiga-o com raiva. Ele então levanta a mão e golpeia a pedra com seu cajado, não uma, mas duas vezes. De fato, abundante água flui da rocha.

O Todo-Poderoso expressa sua decepção a Moisés e Arão. Ele lhes diz que, porque não acreditavam nele o suficiente para santificar Seu Nome diante de todo o povo, lhes seria negado o privilégio de levar o povo à Terra Santa.

Ao longo dos tempos, os comentários encontraram dificuldades com essa narrativa. Rashi insiste que Moisés pecou ao bater na rocha e não apenas falando com ela. Outros se opuseram à abordagem de Rashi porque tirar água da rocha no deserto é igualmente milagroso, seja ela conseguida falando-a ou atingindo-a. A água que flui de uma rocha quando é atingida por um cajado de madeira é um milagre maravilhoso, certamente suficiente para impressionar as pessoas com os poderes milagrosos de Deus.

O rabino Moshe Feinstein, o sábio do final do século XX que tive o privilégio de conhecer pessoalmente, oferece uma resposta simples e inovadora a essa objeção. Ele escreve: "O Todo-Poderoso preferiu que Moisés falasse à rocha, porque ele queria ensinar a lição de que é preciso falar palavras da Torá e ética, mesmo para aqueles que parecem não compreender. Repetir e revisar acabam resultando em entendimento. Por exemplo, nunca se desespere em educar seus filhos, apenas porque eles parecem não entender o que está sendo dito. É preciso falar constantemente com os outros repetidamente, até que eles entendam e ajam de acordo, assim como a rocha não conseguia entender, mas finalmente se cumpriu a vontade de Deus. Certamente os seres humanos, embora agora pareçam não entender, acabarão alcançando o entendimento.

O insight do rabino Feinstein é tão importante, especialmente para líderes religiosos, pais e professores. Raramente nosso público parece estar atento e receptivo à nossa mensagem. Mas, se tentarmos sinceramente apresentar nossa mensagem de maneira inteligente, e se a repetirmos suficientemente, seremos ouvidos mais tarde, se não antes. Essa foi a experiência da mãe que escreveu o poema que enfeitou nossa parede da cozinha por muitos anos, e essa foi a experiência do jovem que passou a apreciar a importância de uma tradução precisa depois de me ouvir zumbir sem parar na sua juventude.

Embora o rabino Feinstein não cite fonte alguma do Talmud que apoie o grande valor da repetição, esse poderia facilmente ter se referido à seguinte passagem do Talmud, tratado Eruvin 54b:

O rabino Perada tinha um aluno a quem ele ensinava cada lição quatrocentas vezes até que o aluno finalmente entendesse. Um dia, o rabino Perada recebeu um convite para participar de uma celebração de mitzvá. Ele sentou-se antes com o aluno e repetiu a lição diária quatrocentas vezes. Mas o aluno não entendeu. O rabino Perada perguntou-lhe por que ele estava com tanta dificuldade aquele dia. O aluno respondeu que assim que soube que o mestre tinha sido convidado para um evento de mitzvá, ele se distraiu, pensando que a qualquer momento o mestre iria interromper a lição e não iria revisar com ele as quatrocentas vezes que ele necessitava. O rabino Perada pacientemente então instruiu seu discípulo a ter calma, prestar atenção e ter certeza de que ele iria empenhar-se o máximo possível, e rever com ele outras quatrocentas vezes, e o discípulo finalmente entendeu. O Talmud continua depois a descrever as recompensas terrenas e celestiais que o rabino Perada recebeu por seu compromisso e tolerância extraordinárias.

O Talmud nos ensina, e o Rabino Feinstein enfatiza, que nossas palavras sinceramente faladas não são desperdiçadas. As lições educacionais que tentamos transmitir são eventualmente ouvidas. Não devemos desistir de nossas tentativas de inspirar, instruir e influenciar os outros. Podemos ter certeza, nas palavras do rei Salomão: "Lança teu pão sobre as águas, porque o acharás depois de muitos dias” (Ecl 11,1). O Todo-Poderoso tinha boas razões para dizer a Moisés que falasse com a rocha. Até rochas acabam recebendo a mensagem.

Para aprofundar a reflexão:
QUE OUTRAS PERGUNTAS O TEXTO LHE FAZ ? QUE RELAÇÃO EXISTE ENTRE A MENSAGEM DESTA INTERPRETAÇÃO DA PASSAGEM DA TORAH DE CHUKAT COM O TEXTO DE Mt 18,21-22?


[1] WEINREB, Tzvi Hersh. The Person in the Parasha. Discovering the Human Element in the Weekly Torah Portion. Israel: Maggid-OuPress, 2016, p. 459-462.