CENTRO CRISTÃO DE ESTUDOS JUDAICOS

Estudo da Parasha da Semana - Cristãos estudando as fontes judaicas – Matot – Massei – Nm 30,2 – 36,13

SAFRAN, Rabbi Eliyahu. Pearls from the Torah. Something Old, Something New. United States: Ktav Publishing House, 2018, p. 542-545.

 

Matot Massei

Matot Massei

E a Viagem de Nossas Vidas

“É bom ter um fim com relação à viagem; mas é a viagem que importa, no fim”.

(Ernest Hemingway)

Imagine a si mesmo num trêm. É um trem onde você viaja cada dia da semana, dia sim e outro dia também. Você embarca numa estação perto de sua casa, seguindo a mesma rotina. Perdido no seu mundo interior, os olhos enterrados no jornal, ocupados trabalhando em decifrar uma palavra-cruzada, perdido escutando música... Mesmo sem levantar os olhos, você controla as estações e as paradas ao longo do trajeto. Quando você ergue os olhos, existe então o registro das mesmas faces que entram no trem, as mesmas faces que desembarcam. Faces familiares a você, mas ainda desconhecidas.

Dia após dia. Cada dia aparentemente igual ao último. Mas cada dia igualmente diferente do outro como as chuvas de uma tempestade de inverno.

Imagine como diferente seria a viagem se você estivesse inteiramente consciente durante o percurso do trem ao invés de andar sonolento durante o mesmo! Imagine o quanto você deve ver e aprender – não apenas sobre o seu passageiro ao lado mas sobre si mesmo.

Na verdade, algo no ir e vir do trabalho não é particularmente contado. A mais importante questão é, você cochila através da sua vida da mesma forma que no trem? Pois não é muito difícil imaginar a viagem do seu trem como uma metáfora, a metáfora da sua vida. Você entra numa estação, você nasce, e a sua viagem começa. Pessoas vêm e vão, entram numa estação e saem noutra estação. Eventos acontecem. Em uma dessas estações, você vê aquela jovem mulher com um tímido sorriso...? Ela irá transformar a sua vida tornando-se a sua esposa? Aquele sério homem que subiu no trem estará destinado a ser seu aluno ou seu professor? Aquele outro irá ajudá-lo depois na escada quando você derrapar nos degraus? Aquela outra senhora será quem irá diagnosticar e ajudar-lhe a tratar uma doença?

Como saber afinal em qual parada de qual estação irá trazer-nos um momento de especial significado na vida? Assim acontece igualmente durante a viagem, sempre nos aproximando do nosso destino.

Podemos nos perguntar se isso não seria um pouco “poético demais”, a partir de uma rotineira viagem de trem subir para tão elevados e metafóricos termos? Eu penso que não, certamente quando consideramos a parashá da Torah chamada Massei.

“Eis as etapas dos filhos de Israel, quando saíram por exércitos do Egito, sob o comando de Moisés e Aarão. Moisés registrou por ordem do SENHOR os lugares de partida, segundo as etapas. E estas são as etapas, segundo os lugares de partida” (Nm 33,1-2).

A parasha nomeia as quarenta e duas etapas de acampamento – uma completa lista de cada “estação” ao longo do caminho desde o Mitzrayim (Egito) no Êxodo – até quando os filhos de Israel se detiveram nas ribanceiras do Jordão, prontos para atravessarem dentro para a Eretz (Terra) de Israel. Em qualquer Guia de Viagem do GPS não existe nada tão detalhado! Por que afinal a lista inteira? Deveria afinal o livro dos Números ser entendido um pouco mais como um guia turístico de viagem ?

Dificilmente seria isso. A Torah nunca se revela como meramente histórica ou um catálogo de viagem. Assim, por que então, a lista completa aparece?

É fascinante também percebermos que muitos dos locais descritos em Massei não foram citados nos capítulos iniciais do livro dos Números. Se não foram percebidos antes, por que então listá-los agora?

Ramban (Nachmânides) ensina que Deus quis que Moisés recordasse essas paradas porque grandes segredos estavam contidos nas quarenta e duas “estações”. Na obra Magen Avraham o autor vai mais longe ainda para comparar as quarenta e duas estações com as quarenta e duas letras possíveis do nome místico de Deus. Sem outras considerações, o que está claro é que cada parada ao longo do caminho tem seu significado. Aprendemos dessa lista que Deus está presente em cada parada da viagem da vida, seja Ele visto ou não, conhecido ou não. E mais importante ainda, sem a contínua compaixão e cuidados de Deus, nós jamais teríamos sobrevivido à viagem.

Mesmo não compreendendo o decreto de que os Israelitas tivessem que vaguear através do Deserto por quarenta anos, as suas paradas de descanso foram prolongadas e significantes. Quarenta e duas paradas. As primeiras quatorze paradas ocorreram antes da missão dos Espiões (cf. Nm 13 e 14). As últimas oito paradas no quadragésimo ano, após Aarão ter morrido. Assim sendo, durante os trinta e oito anos dessa viagem, houve somente vinte “estações” de viagem.
Alguém os estava guiando, não é? Mas ainda podemos nos perguntar: o que aprendemos com isso? Somente que Deus está intimamente envolvido em nossas vidas? Nós não precisamos de quarenta e duas paradas para saber sobre isso. O que afinal é único aqui?

Para entendermos isso, devemos retornar à nossa metáfora. A vida, como uma viagem de trem, é uma viagem com numerosos começos e paradas, muitas oportunidades para visitar, para encontros e cumprimentos, para aprender e experimentar. Cada parada nos modela, colore nossos pontos de vista, nos ajuda a nos tornar quem nós somos. Não podemos saber quem somos sem compreender onde nós estivemos e o que nós temos visto e feito.
Assim também ocorreu com Israel.

Na segunda parte de nossa parasha nos é contado que “Moisés escreveu os lugares de partida segundo as suas etapas, como o SENHOR havia ordenado. E estas são as etapas, segundo os lugares de partida”. Como o versículo conclui, essa mesma ideia é reafirmada, mas com a ordem invertida; as viagens segundo os lugares de partida.

Qualquer manual de viagem não faria diferença alguma quanto a essa inversão. Mas aqui não estamos diante de um catálogo de agência de viagens; essa é a Torah. A mudança na ordem tem um significado. Vemos que a primeira parte do versículo se refere a como Deus considera o percurso deles, enquanto a segunda parte do versículo considera os mesmos percursos a partir do ponto de vista das pessoas.

Deus projeta o seu “plano de viagem” com um único objetivo – progredir para a próxima parada e depois para a próxima até que eles alcancem a Terra Prometida. Mas o ser humano, na sua percepção, sabe mais. Ele tem um “caminho melhor”. Por que esse caminho? Por que não aquele outro caminho? Está muito quente aqui. Muito frio aqui. Estou cansado. Basta, chega desse maná!

É da natureza humana o ser impaciente; querer o novo ou “melhores” aventuras. Querer conforto. Com certeza, é muito humano reclamar! Como o Rav Hirsch afirmava, A finalidade de Israel não era o destino, mas a viagem. Eles exultavam ao levantar o acampamento porque eles estavam cansados do “velho lugar”. Talvez a próxima estação seja melhor. Eles não se alegravam porque estavam mais próximos do destino.

Alguém poderia ainda perguntar: por que ir a algum lugar senão para expressamente chegar lá?

Rashi cita o Midrash Tanhuma, o qual descreve os percursos como a metáfora de um rei (Deus) cujo filho (Comunidade de Israel) estava doente, e este rei levou o filho para um lugar distante (Terra de Israel) para curá-lo (espiritualmente). Somente na volta o pai lembra ao seu filho por tudo aquilo que ele passou ao longo da difícil viagem. Aqui nós dormimos; aqui nós passamos frio; aqui você gritou por mim.

A partir do Midrash, aprendemos de que não foi a despeito, mas justamente por causa dos desafios da viagem é que nós chegamos até ao nosso destino.
Sim, nós viajamos até chegar ao nosso destino, mas somente pela lembrança dos desafios da viagem – como um espelho de ambos desafios enfrentados – pessoais e coletivos – que então podemos apreciar a viagem e chegar até ao nosso destino.

Pense nisso na próxima vez que você se encontrar “pescando” na viagem de trem!

Confira as seguintes citações bíblicas e identifique alguma concordância entre elas.
Explique a relação delas com a parashá de hoje.

 Gn 28,20; Ex 40,36; Dt 2,8; Ne 9,19; 
Jo 4,6; 3Jo 1,7

Que outras questões surgiram a partir da leitura desses textos? Lembre-se, às vezes as perguntas que fazemos são mais importantes que as respostas que encontramos.