112 – A Kabala

A Kabala

Da raiz kabbel "receber", a Kabala indica, sobretudo o ensinamento dos Profetas e depois a Tradição Oral (aquilo que se recebeu). Ela trata sobre o quarto nível de conhecimento da Torah, o sod ou "segredo"[1]. Hoje se reconhece que a Kabala foi a mais poderosa produção da espiritualidade do Exílio, na medida em que penetrou em todas as camadas da coletividade, dos mais ignorantes aos mais eruditos; o mesmo não tinha acontecido com a Filosofia Judaica da Idade Média que se dirigia sempre a uma elite intelectual.

Essa tendência mística se expressava já em alguns círculos talmúdicos, como claramente presente no tratado Haguiga que se interessa pela maasé Berechit "obra da Criação" e maasé Merkava "obra do carro divino" (Ezequiel capítulo 1). Os primeiros textos místicos remontam aos séculos III e IV com a literatura do Palácio "Hekhalot" que mencionam quais as técnicas de concentração permitem as ascensões espirituais dos mundos superiores. Depois do fim da profecia (destruição do Primeiro Templo), os místicos aspiravam poder renovar a experiência dos anciãos, a fim de alcançar a união com o divino[2].

Entre os séculos V e X, se desenvolveram temas fundamentais do esoterismo judeu, tais como a transmigração e a reencarnação das almas ou a utilização do Nome divino com fins teúrgicos (para alcançar milagres).

No século XII nasceu o "Pietismo Alemão", Hassidismo Ashkenaze¸ de inspiração mística, que depois das questões teológicas colocadas pelas Cruzadas, propôs uma doutrina da "Glória Divina", poder espiritual intermediário, que possibilitasse o acesso à profecia e a eficácia da oração, pois Deus permanecia definitivamente inacessível. Essa escola produziu no plano literário um livro ético-místico: o "Livro dos Piedosos" (1146-1271) e também na mesma época no sul da França surgiu o "Livro da Iluminação" (Sefer ha-Bair), redigido entre 1150 e 1200. Essa obra é a mais antiga que apresenta o sistema das dez hipóstases divinas ou a árvore das séfiroth (safiras ou esferas). Esta obra pelos temas abordados e seu modo de escrever marca a passagem da Kabala extática à Kabala teosófica que aborda, numa linguagem própria, questões fundamentais sobre o Mal, o papel de Israel na História, a relação entre Deus e o ser humano.

A Kabala se tornou a grande reviravolta do pensamento judaico, graças a um personagem chave de sua propagação: Moisés ben Chemtov de Léon (1240 na Espanha - 1305). Na juventude dedicou-se à poesia e à filosofia, mas nos fins dos seus dias ocupou-se com o estudo dos segredos e se tornou famoso pela publicação do Zohar, a maior e mais importante produção da Kabala, a ponto da obra ser chamada: "O Talmud da Kabala". O Zohar é um comentário de tipo do Midrash sobre o Pentateuco. Que interpreta muitas passagens dos Profetas e dos Escritos. A partir de seu sucesso os futuros pensadores não se situavam mais a favor ou contra Maimônides, mas a favor ou contra a Kabala, se bem que o combate entre filosofia e misticismo durou até à expulsão dos judeus da Península Ibérica. Depois do século XVI, a Kabala se tornou muito popular, seja no mundo Ashkenaze como no mundo Sefaradi. Mas também a Kabala abriu a porta às superstições, aos discursos sobre os demônios, à literatura dos amuletos, do olho gordo e sobre os exorcismos, tudo aquilo que havia combatido Maimônides, bem como os Profetas antes dele. Como diz o Talmud[3]: "Não existe uma geração que não ofereça também a culpa pelo Bezerro de Ouro" (Cf. Êxodo capítulo 32).

O valor positivo da Kabala, no entanto se encontra no seu aspecto doutrinal quando trata sobre as questões fundamentais sobre o Mal, sobre o sofrimento, sobre o Exílio de Israel, sobre o sentido da História. É quando ela se torna um pensamento mais rigoroso e se aproxima em alguns aspectos a uma filosofia existencialista ou psicanalítica que é mais autenticamente judaica.


[1] Peshat = Sentido literal; Remez = Sentido alusivo; Drash = Sentido filosófico, Sod = Sentido secreto. Tomando as quatro iniciais das quatro palavras em hebraico nós teremos o nome Pardes = Jardim, que é a origem etimológica de "Paraíso".

[2] Cf. Haddad, Philippe. Op. cit., p. 186.

[3] Talmud de Jerusalém – Jejum – Taanith IV,5.