“Desculpe por ser judeu”
Mariliz Pereira Jorge em Folha de São Paulo 09/10/2024
Numa entrevista coletiva, ao ser questionada sobre seus sentimentos em relação às milhares de mortes em Gaza, a judia Yulie Ben Ami lamentou pela guerra e afirmou ter empatia pelo sofrimento de todos os inocentes. Quis saber como é lidar com esse tipo de pergunta enquanto enfrenta a dor pessoal de ter o pai sequestrado. Ela disse que entende, mas pergunta se a mesma indagação é feita aos palestinos sobre o 7 de Outubro.
Um ano depois que Israel foi atacada pelo grupo terrorista, judeus ao redor do mundo tiveram mais uma demonstração de que estão proibidos de lamentar publicamente pelos seus mortos ou de reivindicar a volta dos reféns, como Ohad, pai de Yulie. A israelense bate ponto na entrada do parlamento e participa de manifestações que pedem um cessar-fogo e a volta dos sequestrados, diariamente. Sente-se abandonada pelo mundo, como a maioria dos seus.
Na matemática obtusa de quem tem empatia apenas por números, a conta não fecha. Se do lado palestino morreram cerca de 40mil, as famílias dos 1.200 massacrados que chorem em silêncio e não perturbem. Nem por um único dia foi permitido ao povo judeu manifestar seu luto coletivo sem que fosse cobrado o pedágio pelas mortes na Faixa de Gaza. Viu-se absoluta desumanização de pessoas esquartejadas, mutiladas, estupradas, queimadas. "E os palestinos?"
Da mesma forma que cresce o negacionismo do Holocausto, ganha espaço a tese de que o massacre em Israel não pode ser confirmado nem em forma nem em números. Ou que as vítimas são culpadas pelas ações do Estado. E, afinal, o que são 1.200 mortos? A falta de empatia é tão gritante que judeus estão a um passo de começar qualquer conversa com o disclaimer "desculpe por ser judeu".
O 7 de outubro já entra na lista dos episódios distópicos que só serão reconhecidos em sua gravidade no futuro, quando historiadores confirmarem a barbárie comandada pelo Hamas e explicarem como a opinião pública foi manipulada e usada por um grupo terrorista, quando achava que só lutava contra o "colonialismo". E, claro, como foi omissa e seletiva ao escolher quem poderia ser considerada vítima ou não.