RELAÇÕES JUDAICO – CRISTÃS – Rabino Henri Sobel[1]

O diálogo inter-religioso não procura eliminar as diferenças: o que ele se propõe é reconhecer essas diferenças e torná-las construtivas. Diálogo não é uma prédica; não é conversa fiada; não é um debate; não é acusação e defesa; não é um instrumento para a conversão. A comunicação inter-religiosa requer que cada participante compreenda claramente sua própria fé e esteja disposto a compreender a fé do outro.

As dificuldades no diálogo cristão-judaico provêm de diferentes perspectivas sob as quais os participantes encaram a história e a comunidade. O relacionamento entre judeus e cristãos durante quase 2000 anos caracterizou-se, em grande parte, pela desconfiança e pelo ressentimento. Enquanto ambos os grupos eram pequenos e viviam ameaçados pelo mundo exterior, a polêmica entre eles podia ser considerada como uma luta "para definir" por parte dos cristãos, ou "para manter" por parte dos judeus, suas respectivas identidades religiosas. Entretanto, quando a cristandade ganhou aceitação política, no reino de Constantino, e alcançou um status dominante, a pequena comunidade judaica foi sendo cada vez mais atacada. Frequentemente com violência. Nem todo o quadro histórico é sombrio, mas uma parte significativa é. A comunidade judaica, com sua consciência histórica, sabe muito bem da hostilidade cristã do passado, enquanto a maior parte da comunidade cristã acho que não sabe.

O que tudo isso significa no contexto do diálogo inter-religioso entre cristãos e judeus é que certos cuidados preliminares devem ser tomados antes que o diálogo possa ter início. Para os cristãos, essa preparação consiste principalmente numa confrontação com o passado. Isso pode fazer com que aqueles que se identificam com outros cristãos, de outras terras e outras épocas, se coloquem na defensiva. Aqueles com um menor senso de identidade comunitária talvez sintam uma certa frustração, achando que o confronto com o passado lhes impõe um sentimento de culpa não merecido. Para alguns judeus, os fatos históricos os deixam sem grandes esperanças quanto ao possível sucesso do "diálogo". Outros desconfiam, lembrando que no passado as demonstrações iniciais de amizade por parte dos cristãos muitas vezes levaram à hostilidade, quando os judeus não quiseram renunciar à sua fé e se converter ao cristianismo. Embora a conversão não deva ser uma meta do diálogo, é preciso ter em mente que muitos cristãos ainda hoje sentem-se na obrigação de "evangelizar" os judeus.

Do lado positivo, entretanto, o diálogo por definição é um trabalho de cooperação. Numa sociedade que enfrenta tantos problemas, as relações judaico-cristãs, embora não sejam uma panaceia, são sem dúvida uma tentativa válida de resolver os males comuns. Só espero que juntos possamos descobrir um novo território, um novo espaço, e corrigir, pelo menos um pouco, os erros do passado. O filósofo Martin Buber disse muito bem: "Nenhuma pessoa fora do judaísmo conhece o mistério do judaísmo. E nenhuma pessoa fora do cristianismo conhece o mistério do cristianismo. Mas, em sua ignorância, elas podem se reconhecer uma às outras, no mistério".

Estamos em busca do mistério de uma nova dimensão: juntos, não unificados, mas juntos, numa época de descrença geral e triunfalismo ideológico. Estamos em busca. E dessa busca talvez venha uma segurança maior. E uma tolerância maior.


1 Jornal Resenha Judaica – 11 de Novembro de 1980. In Sobel, 40 anos de liderança espiritual. São Paulo: Alaúde, 2014, p. 95-96.