POR QUE UM TABERNÁCULO É NECESSÁRIO

CENTRO CRISTÃO DE ESTUDOS JUDAICOS - Estudo da Parasha da Semana – Cristãos estudando as fontes judaicas
Ex 35,1 – 40,38 - PEKUDEI
Rabbi Adin Even-Israel Steinsaltz
Talks on the Parasha – Israel: Maggid Books, 2015, p. 182 – 188.
Tradução: Fernando Gross

Parashat Pekudei conclui o livro do Êxodo e também conclui a série de parashot lidando com o Tabernáculo. As especificidades do Tabernáculo levantaram sempre muitas questões, extensivamente discutidas no Talmud e em outras fontes. Mas antes destas especificidades, duas questões fundamentais devem ser acrescentadas.

A primeira questão está relacionada com o tempo de construção da Tenda do Encontro. Porque este Tabernáculo foi construído no deserto, um tempo e cenário aparentemente inoportunos para tal empreendimento.

O Cântico do Mar inclui a seguinte passagem:
Até que passasse o povo que adquiriras. No monte de tua herança os fareis vir e os plantarás, base que fizeste para tu permaneceres, o SENHOR, um santuário, Senhor, que tuas mãos firmaram (Ex 15,16-17).

A partir desses versículos, deveria aparecer um ordem planejada para as coisas: Primeiro eles cruzaram o mar, depois o deserto; depois a entrada na Terra de Israel, e somente no final mesmo deste processo eles construíram o Santuário. Mas na realidade, o Tabernáculo foi construído quase imediatamente após a divisão do mar. Já no primeiro ano após o Êxodo, o povo recebeu o mandamento para construí-lo, e no começo do segundo ano ele já estava consagrado.

Para ter certeza, uma nota pode ser ostensivamente feita entre o Tabernáculo e o “Santuário” mencionado no versículo. Contudo, pareceria que o Tabernáculo deveria ter sido construído no mínimo 50 anos depois, após a entrada na Terra, após as conclusões das guerras de conquista e a repartição da Terra.

A segunda questão, mais geral, pertence à verdadeira necessidade de um Tabernáculo ou Santuário em primeiro lugar. Quando uma pessoa é movida a fazer algo para a Glória de Deus, a melhor e mais direta maneira de realizar isso é fazê-lo por conta própria, da maneira que mais lhe convém.

De fato, isto era o que precisamente acontecia antes do Templo ser construído, até mesmo no tempo em que o Tabernáculo existia, quando o uso de bamot (plataformas de rituais ou altares) era permitido.

A verdade é que a bama era menos complicada do que no tempo do Tabernáculo em muitos aspectos, e também muito mais acessível e pessoal; qualquer um poderia se utilizar dela. Em verdade quando as bamot eram permitidas, alguém que quisesse ofertar um korban para Deus – e não apenas para adorá-lo através da oração e da observância dos Seus mandamentos – não precisava confiá-los aos sacerdotes, nem precisava viajar uma grande distância. Ele mesmo poderia construir um altar de terra ou de pedra em qualquer lugar, mesmo até em seu próprio quintal, e então poderia trazer ofertas (korbanot) e se aproximar mais perto de Deus. Tal serviço a Deus é direto e simples.

Parecia ser a essência da adoração divina em geral, e korbanot em particular, e que não haveria necessidade de que um Tabernáculo existisse e que tudo poderia permanecer em assunto privado, para cada indivíduo se expressar pessoalmente.

Nachmânides mesmo fez este comentário sobre Lv 19 apontando que korbanot existiam já desde tempos antiquíssimos e que não era necessário a construção de um Tabernáculo ou santuário para isso.

Também os sábios lembravam que Caim e Abel trouxeram korbanot no início da raça humana. Todo ser humano – não apenas o Judeu – tem o direito, de acordo com a Halakha, a trazer um korban para Deus, em qualquer tempo e lugar. O povo Judeu, é o único povo que restringiu isto para trazerem korbanot (ofertas) no Tabernáculo ou no Templo.

Em vez de cada pessoa construir seu próprio altar, o povo recebeu o mandamento de construir o Tabernáculo o qual, em muitos aspectos, é uma formidável e complexa tarefa. Aqui, novamente a questão: Por que isto é necessário? O que é que pode ser encontrado no Tabernáculo e não num altar?

DOIS MODOS DE SERVIR A DEUS

Aparentemente, há de fato uma diferença entre korbanot trazido para um altar e um korbanot trazido no Santuário, um fenômeno único em Israel. Estes são dois modos de servir a Deus. Outras pessoas que desejavam servir a Deus podem trazer korbanot em qualquer lugar. Mas o povo de Israel foi atribuído com um modo diferente de servir a Deus, o qual requer um Templo.

O primeiro caminho aberto a quem o desejar, está no nível do individual. Pode conduzir sua própria vida e tentar alcançar o que desejar a respeito do serviço a Deus. Se “o seu coração o mover para isso” (Ex 25,2), como vimos, ele pode igualmente fazer uma oferta particular. Se alguém ao acordar de manhã, ver o nascer do sol, e sentir que deve fazer algo especial para Deus, ele pode seguir o seu instinto e trazer um korban. Se outro, igualmente, perceber que cometeu um pecado e precisa de expiação pode ele visitar o altar mais próximo e levar um korban também. Se esta oferta é uma oferta de ação de graças ou oferta de expiação, isso faz parte somente serviço divino pessoal individual.

Isso pode levar até mesmo a uma certa aproximação com Deus mas dentro de um limite. A pessoa permanece com suas limitações como um ser humano.
Outro modo de servir a Deus, único para o povo de Israel – está baseado no princípio que o indivíduo não permanece ele mesmo sendo o objetivo, antes, ele é encorajado a transcender os limites e as dimensões da sua personalidade. No caso do Povo de Israel, korbanot e serviço divino em geral estão conectados com a necessidade do Tabernáculo e do Templo.

O Templo não é meramente um instrumento para tornar capaz o ser humano de se aproximar de Deus; é também um portal de mão dupla, uma passagem entre o mundo e Deus. Para ter certeza, existe um aspecto de voltar-se para Deus lá embaixo no Templo também. Mas lá também existe o aspecto de Deus voltar-se para baixo a partir lá de cima. Deus habita no Templo, revelando-se a si mesmo quando diz, “Eu falarei com você acima da tampa da Arca” ( EX 25,22).

Esses dois modos de servir a Deus estão interconectados. Para que Deus se revele a Si mesmo no Templo, deve haver um despertar de Israel da parte de baixo. O lugar onde Deus revela-Se a si mesmo é o local onde todos os olhos estão voltados para Ele, uma espécie de farol para a devoção religiosa. A revelação de Deus no Templo não acontece automaticamente; ela requer um despertar da vontade – um determinado tipo de desejo. Quando tal coletiva vontade não existe – se isto é intencional ou resultado de alguma restrição – o portal permanece fechado.

A ação de construir uma Casa para Deus pode parecer num primeiro momento. Depois de tudo, o “mundo todo está cheio de Sua Glória”! Do que se trata afinal em estabelecer um local físico e instruindo a Deus para permanecer lá? A verdade é que enquanto Deus está presente em qualquer lugar, não é em todo lugar que existe um portal de revelação como vimos descrito acima. Para que um Templo terrestre cumpra seu propósito, nossos corações devem estar abertos para isso. Quando nossos corações não se encontram abertos para isso, até mesmo o Templo não pode nos ajudar a interagir com Deus.

FORMANDO UM CENTRO

As aspirações de uma grande parte do povo são canalizadas através do Templo – não o desejo pessoal de cada indivíduo, mas o desejo da comunidade inteira de Israel. Quando as aspirações são concentradas juntas, isto forma algo que transcenda os limites da vontade individual pessoal, e o Templo então se torna um lugar onde Deus pode vir do céu para baixo. Pelas aspirações combinadas da comunidade isso impulsiona alguma coisa que nem sempre é visível ao olhar. Quando uma comunicação correta acontece entre o povo, existe uma dupla, tripla, milhares de ampliações do que está dentro de cada um deles. As baterias podem estar unidas, de tal modo que cada uma permanece separada da outra, mas elas também podem estar unidas de tal modo que cada bateria acrescente sua energia para o todo, reforçando as baterias. Este todo é necessário de tal modo que Israel não permaneça numa situação onde cada pessoa permaneça separada. Assim aquela entidade espiritual chamada “Israel” pode continuar a existir.

Os padrões de santidade exigidos para o Povo de Israel como um todo são maiores e mais exigentes do que aqueles exigidos na esfera individual, mesmos se seus corações os tivessem movido. No Templo, no Tabernáculo, tentamos elevar o padrão individual para um nível inteiramente diferente. Assim o Templo foi criado de modo a induzir os indivíduos a aspirarem mais do que eles deveriam se estivessem sozinhos e para cumprirem igualmente muito mais do que eles não conseguiriam alcançar estando sozinhos.

Quando alguém diz, “O que eu tenho é suficiente para mim”, isto é um sinal de que ele ainda está preso num nível de altar privado, enquanto no Templo ele deve transcender suas próprias aspirações. Quanto mais ele quiser avançar no reino do Sagrado, mais será exigido dele em termos de pureza, expiação e ascensão, nível após nível.

O Tabernáculo e o Templo irradiam para dentro, para o sagrado, para exercer influência naquilo até que é o mais profano. A partir do momento em que o Tabernáculo é erguido, este é significativo não somente para quando alguém esteja dentro dele, mas mesmo até para alguém que esteja caminhando no deserto. A partir do momento que o Tabernáculo é erguido, a área toda ao redor recebe um centro, um ponto focal ao redor dos vários acampamentos são formados. O acampamento dos Levitas e o acampamento de Israel assumem um significado sagrado, e como resultado, se torna proibido para alguns povos estarem dentro dele. Uma vez que o Tabernáculo exista, até mesmo uma tenda pessoal não é mais aquilo que costumava ser antes.

A URGÊNCIA DE CONSTRUIR UM TABERNÁCULO

Como vimos o Tabernáculo deveria ser construído após a conquista da Terra Prometida. Mas logo após a travessia do Mar Vermelho, se tivessem agido propriamente, a construção do Tabernáculo/Templo seria adiada para um futuro distante.

Contudo, a construção do Templo não era somente um assunto de conveniência. E começou quase imediatamente. A razão para que tenha isto acontecido é que depois do pecado do Bezerro de Ouro, a realidade diante do Povo de Israel os colocava face um grande perigo para eles. O povo tinha quarenta anos de peregrinação a realizar.

Quando se tornou necessário avisar a Israel que não deveriam sacrificar aos demônios, isto era um sinal seguro que era necessário construir o Tabernáculo.
Existe um ditado presente em várias línguas e em várias formas: “Se você não consegue por cima, consiga por baixo”. Mas o que deveria ser feito na situação contrária: Se você não conseguir da parte de baixo? Deve-se portanto tentar conseguir de cima. Se a atual rota está bloqueada, você deve encontrar outro caminho. Você deve pular muito mais alto do que você originalmente pretendia, e se elevar em santidade.

A MAIORIA SILENCIOSA

O processo que levou na verdade à necessidade de construir “cedo” o Tabernáculo começa com o pecado do Bezerro de Ouro. Quando Moisés desceu o Monte Sinai e disse: “Quem estiver pelo SENHOR venha até mim!” (Ex 32,26), todos os Levitas se reuniram com ele, e eles mataram muitas pessoas - 3000 pessoas juntos. Mas este número é uma pequena fração da população total do Povo de Israel naquela época. Considerando que essas três mil pessoas representavam aqueles que tinham criado o Bezerro de Ouro, onde estava o restante do povo de Israel?

Está claro que a maioria do povo não estava envolvida com a criação do bezerro. Se foi assim, o que aconteceu? Aparentemente, uma vez que o Bezerro tenha sido construído, uma grande porcentagem do povo começou a seguir o Bezerro junto com todos os outros. Moisés estava ausente, e alguém sugeriu que o Bezerro poderia tomar seu lugar. Com certeza, o Bezerro não era exatamente como Moisés, mas esta era uma emergência. O Bezerro deveria ser suficiente. Nesta situação, mesmo os aparentemente equilibrados foram atraídos para o fascínio do Bezerro.

A mesma questão aconteceu quando Jeroboão estabeleceu bezerros em Dã e em Betel. O que aconteceu com todos os outros bons filhos de Israel que por tantos anos tinham trazido korbanot no Templo? O que tinha acontecido com todos aqueles que tinham aprendido Torah de Samuel, de Davi e de Salomão? Até o tempo de Jeroboão, houve um longo período no qual a idolatria se tornou um tabu. O Rei Saul deu os primeiros passos, limpando o país de todo tipo de idolatria, e Davi e Salomão continuaram seus passos após ele.

A realidade portanto é que, quando for que houver um Bezerro, haverá também uma multidão incluindo muitos indivíduos, prontos a segui-lo.

Se este for o caso, o Templo não pode mais ser adiado, dever ser construído imediatamente, a fim de evitar um vácuo espiritual para que seja então permitido a Deus habitar no meio deles. Para isso acontecer o povo deve cumprir o mandamento: “Construa para mim um santuário” (Ex 25,8) – precisamente no deserto e precisamente durante os quarenta anos de peregrinação.

Por que afinal construir um Santuário no deserto, e não depois da conquista e entrada na Terra Prometida?

Leia Jo 2, 13 – 25. Como conciliar a realidade da construção do Templo com a realidade de Deus que bem sabe o que existe dentro do ser humano.

O Santuário é necessário para quem ? Para os seres humanos ou é necessário para Deus? Por que?

Que outras questões surgiram a partir da leitura desses textos? Lembre-se, às vezes as perguntas que fazemos são mais importantes que as respostas que encontramos.