Toledot Escavação espiritual

CENTRO CRISTÃO DE ESTUDOS JUDAICOS - Estudo da Parasha da Semana– Cristãos estudando as fontes judaicas
PARASHAT TOLEDOT - Gn 25,19 – 28,9 – RABBI ADIN STEINSALTZ

ESCAVAÇÃO ESPIRITUAL

Abraão e Isaac – Isaac reabriu os poços que seu pai Abraão tinha escavado, um ato que parece ser fundamental do seu serviço divino. A Torah reconta o episódio dessa maneira:
“Os filisteus entupiram todos os poços abertos pelos servos do seu pai Abraão, enchendo-os de terra. E Abimelec disse a Isaac: ‘Vai-te embora daqui, porque chegaste a ser muito mais poderoso do que nós’. Isaac partiu e acampou junto à torrente de Gerara, onde se estabeleceu. Reabriu os poços cavados no tempo do seu pai Abraão e entupidos pelos filisteus depois da morte de Abraão, dando-lhes os mesmos nomes que seu pai lhes havia dado”. (Gn 26,15-18).

Os Sábios de Israel elaboraram sobre a questão dos poços muito bem; muitos midrashim existem sobre o tema, atribuindo a eles grande importância e significado.

O serviço divino de Abraão é ir e escavar na terra, e descobrir que ali contém águas vivas. Amplamente falando, sua tarefa é descobrir sentido nas coisas. Abraão é conhecido pela sua qualidade: Aprendemos que mesmo com três anos de idade, ele já estava constantemente procurando pelo significado das coisas, reconhecendo seu Criador. Então, o Midrash (Gênesis Rabba 39,1) compara Abraão a um homem que, vendo um prédio em chamas, pergunta: “Este prédio tem um proprietário? Quando um prédio está em chamas, quem cuida disso? É algo muito simples para uma pessoa ignorar as realidades deste mundo, passando por toda a sua vida sem prestar atenção nelas. Abraão não age assim; ele olha e observa tudo ao seu redor e faz questões, escava poços e descobre águas neles.

O serviço divino de Isaac, cuja essência está sintetizada nas palavras. “e Isaac escavou novamente os poços que Abraão seu pai tinha aberto” (Gn 26,18), é padronizar suas ações depois das de Abraão, e num certo sentido, essa é a tarefa mais difícil que uma pessoa pode empreender. Isaac imita Abraão não apenas numa prática particular mas na sua vida inteira; ele segue o mesmo caminho, passo após passo. O que aconteceu com seu pai envolvendo o rei dos Filisteus, acontece também com ele, e o mesmo é válido para muitos outros fatos de sua vida.

Tudo o que Isaac faz é reabrir os poços que seu pai tinha aberto e deus a eles os mesmos nomes que seu pai tinha dado. Isso cria um problema de quem cresce num lar e tenta continuar o caminho dos seus antepassados. Se alguém tenta abrir novos poços, ele vive num mundo diferente, com diferentes fontes de inspiração e uma dinâmica diferente. Mas para Isaac, e para quem quer que seja como Isaac, não existe outro ponto de avivamento e renovação por direito próprio. Esses são os mesmos nomes e os mesmos lugares – tudo é o mesmo. Os poços nos quais ele coloca tanto esforço em escavar não são verdadeiramente novos em geral.

O problema do serviço divino de Isaac é parte de um dilema maior – a dificuldade de renovação, o desafio de reabrir poços que o pai de alguém já tinha aberto. Pode isto ser considerado de fato uma realização? O que pode ser alcançado simplesmente refazendo um caminho antigo?

O Midrash comenta sobre o versículo: “Estas palavras que hoje te ordeno” (Dt 6,6) explicando: “Que eu ordeno para você hoje” – elas (Torah e preceitos) devem estar diante de você não como uma ordem obsoleta na qual ninguém presta atenção, mas como uma ordem nova na qual todos têm um grande interesse” (Sifrei, Deuteronômio 33). No mesmo sentido, Rashi comenta sobre o versículo: “Hoje o SENHOR teu Deus te manda cumprir estas leis e decretos” (Dt 26,16) dizendo: “Cada dia elas devem parecer diante de você como novas, como se você as tivesse recebido naquele verdadeiro dia”. A sugestão que os Sábios de Israel oferecem – para considerar velhos preceitos como se eles fossem novos e atraentes – somente parece acentuar o problema. Novas tarefas são relativamente fáceis de se entusiasmar para realizar. Quando é apenas como se pensasse que fossem novos, então isso se torna muito mais difícil.

A HABILIDADE PARA CONTINUAR

De acordo com o Midrash (Eclesiastes Rabba 1,3), nós deveríamos agradecer a Deus por nos ter criado com a capacidade do esquecimento, pois como resultado podemos aprender as coisas mais de uma vez. Graças ao esquecimento, nosso aprendizado pode sempre conter algum aspecto de renovação. Contudo, algumas vezes é mais fácil aprender três novas páginas do que revisar uma página, e para algumas coisas existe o poder de rejuvenescimento. O processo de rever, de reaprender antigas ideias – até fascinantes que sejam, irão inevitavelmente se tornar deficientes simplesmente porque não são novas.

Costuma-se dizer que todos os inícios são difíceis. Tão verdadeiro quando possa ser, no entanto tanto quanto seja difícil começar é o continuar – e aqui está o desafio diante da segunda geração, a geração que não pode ser inovadora, que não deve ser inovadora. Ela precisa somente continuar, e pode somente alcançar isso, reunindo a força e o poder da renovação. Se comparada ao continuar, o começar é fácil, e alcançar a linha de chegada é igualmente fácil. O que é verdadeiramente difícil é continuar após o entusiasmo inicial ter passado. Para algumas pessoas, a excitação da novidade dura até cinco anos; para outras, dura até cinco meses ou cinco minutos. Mas não importa o quanto, a excitação na verdade termina e a questão se apresenta por si mesma: O que acontecerá a seguir?
A habilidade para persistir, continuar, é o que diferencia uma pessoa da outra, e em grande escala, entre um povo e outro povo.

O verdadeiro teste é se a segunda geração tem a habilidade para manter a mesma energia, inspiração e entusiasmo – ou ao menos a mesma paz – da primeira geração. Para a primeira geração, é fácil quebrar o molde; para a segunda geração, no entanto, a monotonia e a decadência representam um perigo real.
Na Parasha Vayera, Deus diz: “Acaso poderei ocultar a Abraão o que vou fazer? ... Eu o escolhi para que ensine seus filhos e sua casa a guardarem os caminhos do SENHOR” (Gn 18,17-19). O homem que guarda o segredo do futuro não é meramente aquele que dá para seus filhos as instruções e as ordens; antes, é quem pode com sucesso encorajar seus filhos e sua posteridade a continuar na sua direção.

Olhar para as gerações anteriores e posteriores nos mostra que a habilidade pessoal de alguém não garante sua habilidade para transmitir sua grandeza para sua posteridade. Existem pessoas que por sua própria natureza não podem produzir filhos e discípulos como a si mesmos. Moisés por exemplo, não produziu uma dinastia de grandes líderes. A dinastia que continuou através dos tempos foi aquela dos filhos de Aarão, pois Moisés não teve filhos que pudessem ser qualificados como seu sucessor. Não pode haver um Moisés II, deixou sozinha uma linha Mosaica gloriosa.

A essência toda de Isaac está na sua habilidade para continuar a causa de Deus para um próximo estágio na história. Neste sentido, pode-se dizer, literalmente, que “esta é a história de Isaac filho de Abraão: Abraão gerou Isaac” (Gn 25,19), e exatamente no mesmo sentido: “Esta é a história de Jacó – José” (Gn 37,2). A capacidade de criar um filho capaz de continuar a causa, capaz de dar frutos ao que ele começou, é a genialidade de Abraão – sua história. -Sem Isaac, sem a habilidade de Isaac para providenciar a continuidade, Abraão não seria Abraão de fato. Antes, teria sido algum tipo de personagem importante que o precedeu. Abraão foi precedido por Enoque, mas os dois não poderiam ter sido mais diferentes. Enquanto Enoque era um anjo, seu filho não foi um anjo. Tem existido todo tipo de pessoas ao longo da história que foram essencialmente “becos sem saída”, cujos legados não puderam continuar após sua morte. Da mesma forma, a diferença entre Saul e Davi não estava enraizada somente na natureza das suas respectivas personalidades, mas também pelo fato de que Saul foi incapaz de modelar para si mesmo um sucessor como a si mesmo.

Neste sentido, assim como Abraão gerou a Isaac, Isaac “faz” a Abraão dando a ele importância e um legado duradouro. Se os filhos de Abraão tivessem sido somente Ismael e os filhos de Ketura, sua narrativa teria sido somente um episódio passageiro. Nesse sentido não importa quem esses filhos foram ou o que eles fizeram com suas vidas.

A habilidade para criar continuidade não é somente importante por si mesma e significante para o futuro, mas até ela muda até mesmo o significado do passado. Portanto, alguém pode ser julgado na verdade baseando-se numa perspectiva maior: o que ele fez e o que restou depois dele. Uma pessoa pode ser julgada de acordo com os fatos que ela realizou durante sua extensão de vida e de acordo com os acontecimentos que essa pessoa indiretamente produziu efeitos após sua vida. Maior será sua influência, quanto mais podemos retroagir sobre o que ele mudou na imagem total da sua essência como indivíduo.

OS FILISTEUS INCIRCUNCISOS

Isaac reabriu poços, que os “filisteus tinham entupido com terra” (Gn 26,15). Os filisteus não eram fundamentalmente maus. Embora eles sejam chamados “os filisteus incircuncisos”, a Torah não fala sobre sua pecaminosidade ou abominável comportamento. Mas o que revela seu caráter fundamental é o seguinte: “Os filisteus tinham entupido os poços”. Não são especificamente justos ou perversos. Quando uma importante questão ou problema moral se levanta, em vez de tomarem um partido ou outro, os filisteus interrompem todo o problema em questão. Em vez de negarem a existência de Deus os filisteus evitam a questão simplesmente. Quando os filisteus cometem pecados, eles nunca fazem isso por despeito; eles pecam porque “é assim e pronto”. Eles entorpecem e murcham qualquer coisa que encontram, abstendo-se de dar qualquer significado especial às suas ações. Criam assim um mundo aleatório. Em vez de terem colocado trancas nas aberturas dos poços, eles os entupiram, insistindo que esses poços na verdade nunca funcionaram, nunca tiveram água realmente. Eles criaram para si um mundo onde tudo é insignificante. “Dar de ombros” é uma atitude extremamente poderosa. Não se precisa nem de provas nem de suporte, nem personagens, nem significado algum. Se alguém faz uma questão ou apresenta algum assunto para consideração, é a atitude mais simples para diminuir alguém é essa resposta “balançando os ombros”!

Ser um filisteu portanto, é aquele que diante de uma questão significativa ou algum ponto de inspiração, a sua resposta seja imediatamente entupir a pergunta com terra. Filisteus não envenenam os poços, Deus proibiu. Eles simplesmente os entulham. E isso é um fenômeno contagiante, pois um pouco de tempo depois a pessoa que colocou a questão original não irá mais procurar por uma vida de sentido; ela, por sua vez, irá tomar a atitude dos filisteus, acostumada na vida a um mundo de insignificância.

Podemos igualmente nos acostumar a isso na vida? Esse processo pode se desenvolver na vida de alguém?

Isso acontece porque todos os poços que a pessoa possuía e que ela já tivesse possuído foram entulhados pelos filisteus com terra. Isso acontece não somente com as pessoas mais velhas, mas também com as jovens. A sua vida interior foi simplesmente entupida, parou. Como as dunas de areia na praia,, mesmo que eu não tenha feito nada para bloquear os poços, pouco a pouco, o tempo cobre tudo. Onde antes havia um poço de águas vivas, agora permanece somente um pequeno buraco no deserto.

Através dessa história os Sábios de Israel dirigiram a questão sobre o que pode ser feito para proteger alguém contra este perigo. O perigo aqui não é aquele em que alguém irá cair de repente. Antes, trata-se de uma queda gradual, uma queda quase imperceptível. A vida se esgota, e quando alguém finalmente morre, ninguém pode dizer a diferença, já que ele tinha sido mesmo um cadáver ambulante durante todo o tempo.

Quando alguém começa a morrer? Na verdade, o processo de morte pode começar a qualquer tempo na vida de uma pessoa. Ela pode ter dezesseis anos de vida, e já estar morrendo. Falta somente o certificado de morte dado por um médico. Essa pessoa ainda não sabe, nem sua família sabe, mas ela tem vivido por anos sem propósito, arrastando-se ao longo do caminho. Algumas secam, outras ficam congeladas ou entupidas com terra. Mas em todos os casos, a atitude de insignificância está agindo.

ESCAVAÇÃO ESPIRITUAL

A tarefa de Isaac é reabrir os poços e assim banir a força de infecção da insignificância. Por um lado esse é um trabalho fácil, pois a abertura já tinha sido feita, e Isaac já sabe o que existe lá dentro. Por outro lado, é uma tarefa difícil, pois não envolve descoberta nova alguma. Apesar da dificuldade, Isaac se empurra para frente e reabre os poços.

A cada manhã uma oração, uma leitura bíblica. Mas em acréscimo, a pessoa deve decidir-se a cada manhã a dizer que ela não é um filisteu. E fazer isso de uma maneira nova, diferente da experiência anterior.

Essa é uma tarefa difícil. Depois de tudo, não estamos falando de uma mudança repentina de renovação, como uma decisão espontânea de viajar para a floresta Amazônica. Pelo contrário, é a decisão simples que faz a mudança, mesmo se não sabemos como e onde ela nos levará. É a decisão de ficar no mesmo lugar, reabrindo os mesmos poços. Ler os textos bíblicos e fazer as mesmas orações, mas recitar de novo e de novo “Eu não sou um filisteu”.

Uma boa maneira de escavar e abrir poços é fazendo questões. Pode-se até não encontrar as respostas, mas através das questões podemos sempre descobrir importantes ideias e significados. Sentir a necessidade de se renovar – onde se pode cavar de novo o poço de forma consistente perguntando: “Por que?”, “Com qual propósito?”, “Por qual motivo?” E isso requer muito treino e muita prática. Deve-se treinar a si mesmo para entender que “é sempre assim e pronto” é somente a resposta satisfatória para os filisteus. Alguém que estuda a Torah, não é como um filisteu; ele deve constantemente escavar poços.

Nem todos podem abrir caminhos novos, e nem todos podem escavar novos poços. O que todos podemos e devemos fazer é pegar os velhos poços e reabri-los para nós mesmos como uma inteiramente nova criação.

Para aprofundar o estudo da Palavra
1. Como está o filisteu dentro de você?
2. Quais poços existem entulhados com a rotina, “com terra” e que devem ser abertos como atitude de remédio para vida?
3. Quais outras questões precisam e devem ser feitas para prosseguir como filho de Abraão, como filha de Isaac?