1 Parasha Behar Na Montanha Lv25 1 262


CENTRO CRISTÃO DE ESTUDOS JUDAICOS

Estudo Parasha da Semana - Behar – Na Montanha – Lv 25,1 – 26,2

– Cristãos estudando as fontes judaicas –

STEINSALTZ, Rabbi Adin. Talks on the Parasha. Israel: Shefa Maggid Books, 2015, p. 260-268. .

 

SHEMITTA

No começo da parasha, Rashi trabalha com a famosa questão, “O que Shemitta tem a ver com o Monte Sinai? Não foram todas as mitzvot (preceitos) dados no Monte Sinai? (Rashi, Lv 25,1).

A resposta que ele dá é muito surpreendente e não inteiramente suficiente: “Apenas quando as leis de Shemitta foram reveladas no Sinai com todos os seus princípios gerais e detalhes, então todos os outros preceitos foram revelados no Sinai com todos os seus princípios gerais e detalhes”.

Esta resposta explica o que o Monte Sinai tem a ver com Shemitta, mas não o que Shemitta tem então a ver com o Monte Sinai. De acordo com Rashi, o Monte Sinai tinha que ser mencionado aqui para nos ensinar que mesmo que Shemitta  já tenha sido mencionado em outra passagem da Torah, todos os seus princípios e detalhes foram revelados no Sinai, e o mesmo se aplica para todas as outras mitzvot igualmente. Por que especificamente este preceito da Shemitta foi escolhido para ser mencionado em conexão com o Monte Sinai?

O assunto completo do “Shabat da Terra” – Shemitta e o ano Jubilar – é conhecido como um assunto muito importante na Torah, muito mais importante do que hoje em dia, e uma das provas disso está na próxima parasha.

Considerando o final da Tokheha (a seção da repreensão em Lv 26), está dito: “A Terra então gozará dos seus sábados (Shabbatot) ... durante todo o tempo que ficar desabitada, a terra descansará pelos sábados que não descansou quando nela habitáveis (Lv 26,34-35). A consequência é que a grande Tokheha refere-se especificamente para as leis de Shemitta e o Ano Jubilar.

Quando Jeremias discute sobre o porquê a Terra foi destruída, o que transparece é que Deus negligencia sobre as relações sexuais proibidas, idolatria, e derramamento de sangue, mas Ele não faa o mesmo quando se negligencia a Torah (Jr 9). Em nossa parasha de estudo hoje, uma semelhante ideia aparece. A implicação de que Deus negligencia mesmo até as relações sexuais proibidas e derramamento de sangue, mas não faz o mesmo com as leis de Shemitta. Ele está disposto a perdoar-nos tudo, mas o que em último caso provoca a grande destruição prevista em Tokheha é o desrespeito em relação às leis de Shemitta. Na lista da Mishna de pecados responsáveis pela punição neste mundo, pode-se observar a negligência com relação às leis de Shemitta ocupando um lugar central (Avot 5,8-9).

Um mundo que mudou

Já ouvimos e lemos muito sobre as dificuldades que a observância do ano de Shemitta implica, sobre o grande sacrifício que Deus nos pede para realizar com isso. A verdade é que para um fazendeiro que trabalha a terra, observar as leis de Shemitta implica obviamente uma mudança fundamental no inteiro modo de viver a vida. Isso é duplamente verdadeiro quando a maioria do povo Judeu no mundo vive na Terra de Israel, e quando a maioria dessas pessoas são fazendeiros e trabalham com a agricultura.

Em sua obra Antiguidades sobre os Judeus, de Flávio Josefo, ele relata que ao londo do curso da História Judaica muitas derrotas militares ocorreram durante o ano de Shemitta ou no ano imediatamente seguinte. A razão para isso é que no final do ano de Shemitta ou no ano que o segue, a terra que é baseada na economia agrícola tinha gastado todos os seus recursos e estava economicamente empobrecida. Consequentemente, sua habilidade para absorver sofrimentos é muito baixa, e um exército inimigo pode conquistá-la muito mais facilmente.

Hoje, porém, vivemos num mundo diferente. Quando um país vive da agricultura, e do seu excedente – se ele existe de fato – e é muito pouco, isso significa que mesmo um Sábado comum  é uma responsabilidade econômica e com certeza um ano inteiro de Shemitta é um insuportável fardo. Portanto, nos tempos dos nossos sábios, era realmente necessário lutar pela observância do sétimo ano. Como está dito no Midrash, manter as leis de Shemitta era verdadeiramente necessária uma força heróica e uma grande fortaleza (Levitico Rabba 1,1). Mas quanto mais o tempo passa, e com certeza nos últimos anos, manter as leis de Shemitta tem se tornada uma dificuldade cada vez menor, e a razão implícita dessa realidade é que a maior parte dos Israelitas hoje não são fazendeiros. Há vários anos agora, a única agricultura que a maior parte dos Israelitas se depara, se é que existe para ele, é a agricultura do seu pequeno jardim em sua casa.

Enquanto a percepção de um fazendeiro quanto à Shemitta é obviamente diferente do Israelita comum, a dificuldade em observar as leis de Shemitta é muitíssimo menor do que no passado. No máximo isso se torna um dos muitos incômodos que um judeu observante deve lidar, outra “irritante” halakha. Assim como se deve comer comida Kasher, a apenas vivendo na Terra Santa ainda se deve observar as leis de Teruma e Masser, Shemitta é agora acrescentada à lista. Contudo, essas halakhot há muito tempo cessaram de na prática fazer uma diferença, mesmo para fazendeiros.

O conceito sabático – não apenas como um dia semanal de descanso, mas também como regulamentação geral que dão direitos às pessoas para suas férias anuais dos seus trabalhos está se tornando cada vez mais instituído em todo o mundo. Como pode a economia sobreviver a este fenômeno? A resposta é que o mundo industrializado vive num tremendo excedente, e com ele, uma quantidade enorme de resíduos. A sociedade moderna está baseada em produção de serviços, e a maior parte na sociedade moderna se envolvem na prestação de serviços, não na produção de bens. Isto muda a relação entre as pessoas com a terra e a sua dependência para com ela. Esta mudança diminuiu a percepção fundamental e existencial de manter as leis de Shemiita.

“Pois a terra é Minha”

Então surgiu a compreensão de que Shemitta tem outro significado, outro que é mais importante na realidade de nossa geração. E é este significado que é bem enfatizado nesta parasha. A ênfase não está conectada com Deus exigindo de nós um grande sacrifício; melhor ainda, a ênfase está sobre quem de fato possui a terra.

No ano de Shemitta, e ainda mais no Ano Jubilar, existe um aspecto de suspender a posse do proprietário por um decreto real vindo dos céus. Os sábios de Israel chamam isso de afkaata demalka – uma real suspensão (Talmud Baba Metzia 106a). Deus proclama que Ele está cancelando a posse da terra e da propriedade, cancelando todos os débitos.

Tal suspensão não é uma ideia sem anômala. Já em tempos antigos os Gregos e os Romanos, e em outros países e épocas também, instâncias deste tipo de decreto ocorreram. No passado, alguns países instituíram tal decreto quando eles perceberam que a situação econômica era volátil. Quando eles perceberam que as pressões, a desigualdade, ou a exploração de certa classe tinha alcançado um ponto insuportável, o país anunciava simplesmente que iria parar de pagar seus débitos e que seus credores não iriam poder reivindicar nada sobre a perda.

Em um certo aspecto, porém, surge a ideia de que a Torah com a Shemitta e o Ano Jubilar não seja exatamente a suspensão de propriedade mas alguma coisa um pouco diferente disso; poderia ser chamado de reforço de propriedade.

Um exemplo disso pode ser visto hoje em nossa realidade: no coração de Nova Iorque existe um complexo enorme de área construída chamado Rockfeller Center, berço das estruturas de referência como General Eletric Building e Radio City Music Hall. Esta área imensa toda é na verdade uma propriedade privada, apenas o proprietário permite que ela seja aberta para que o público entre. Parte de um dia, a cada ano, a área é fechada de modo que se perceba que ela na verdade não é um espaço público mas propriedade privada. Fechando-a por um dia, o proprietário está reforçando a sua posse. Ele declara para o público que esse está usando a espaço, porém não é o seu proprietário.

Em Shemitta e nos Anos Jubilares, o Dono deste mundo reforça seu direito sobre todas as propriedades através da suspensão dos nossos direitos de uso. Isso pode ser visto através da “real suspensão” de Shemitta e do Ano Jubilar não como uma absoluta suspensão e não se elimina a posse do proprietário completamente. Após o ano de Shemitta, a terra não se tornou sem proprietário e não vai para a quem a queira. Mudanças ocorrem, mas quando o ano de Shemitta termina, o proprietário pode começar a comer da produção da sua terra novamente. Tudo é dele, como antes: A terra é dele, as árvores são dele, e o fruto é dele. O ano de Shemitta é apenas um intervalo.

Quando a Torah diz: “Também ao gado e aos animais da terra servirá de alimento toda essa safra” (Lv 25,7), isso porque  a suspensão não é um monetário desinvestimento, onde a propriedade é confiscada do seu proprietário. É simplesmente que ao proprietário da terra é feita uma observação e lembrado a ele na verdade, que ele é apenas um inquilino. Depois de tudo, o dono pode comer da produção do seu campo durante o ano de Shemitta; a diferença é que o jumento do seu vizinho também pode fazer isso, assim como todos os outros animais.

Uma análise das leis de Shemitta mostra que a menção de “e todos os animais selvagens que estão na tua terra” é um detalhe muito importante. SE tudo o que for produzido no ano de Shemitta deve ser removido da casa ou não depende se a produção ainda estará disponível para os animais no campo.

Esse ponto fundamenta a essência de Shemitta sobre a fundamental devolução do proprietário para Deus; Ele é o Dono, e nós somos meros estrangeiros e peregrinos em Sua terra. Uma vez a cada muitíssimos anos, a posse é removida de nossas mãos, e assim nós deveríamos entender que embora sejamos herdeiros inquilinos que alugamos ou contratamos a terra, e mesmo tendo um certo direito de posse, a propriedade de fato não é nossa.

A Torah descreve outra lei relacionada a esse mesmo ponto. Quando uma “casa residencial numa cidade murada” (Lv 25,29) é vendida e não é resgatada durante o primeiro ano após a venda, a casa se torna propriedade permanente do comprador e não pode ser revertida no Ano Jubilar. Ao contrário, quando um Levita vende  sua casa, “Os Levitas terão direito perpétuo de resgatar as casas” (Lv 25,32). A razão para esta lei vem na mesma verdadeira ideia que estamos discutindo. Os Levitas são os únicos que são expressamente e abertamente definidos como estrangeiros e peregrinos. Uma pessoa comum que compra um pedaço de terra diz para si mesmo que ela lhe pertence. O Levita, porém, que sua subsistência é providenciada por Deus, que ele come e reside como um inquilino, desde que ele seja um servo de Deus. Contudo, as cidades dos Levitas são mantidas sob um poder maior, porque de fato a posse dos Levitas é mais frágil. Os Levitas têm mais direitos porque eles sabem de verdade que nada de fato possuem. Eles sabem que receberam esses lugares como um presente, e que sobrevivem nesses locais porque Deus lhes permitiu de assim fazerem.

Deus é o Mestre do mundo e SSENHOR da terra (Sifrei Deuteronômio 313) e, portanto, tudo que existe nele pertence a Ele. Para garantir que nós lembramos disso, Ele tira de nós o direito exclusivo sobre as coisas, retornando tudo para os moradores originais – os animais, as feras, e os cachorros.

Se teu irmão empobrecer

Esse é um aspecto de Shemitta, o qual reforça o serviço, a posse, e o fato de que Deus é o Mestre do mundo. Esse aspecto começa com o versículo, “se o teu irmão empobrecer” (Lv 25,25).

Como nossos sábios entenderam isso, essa seção diz respeito a alguém incorrigível, em todos os seus esforços. Ele herdou terra, mas infelizmente, ele não foi bem sucedido no seu manejo e é forçado a vende-la. Logo depois ele precisou vender a sua casa também; depois faz igualmente um empréstimo, com ou sem interesse, e depois, também, não é capaz de pagá-lo. Como resultado, ele não encontra outro recurso – ele vende a si mesmo como escravo. Mas porque essa seção está situada aqui?

Eu penso que esse ponto apresentado aqui é outro aspecto da Shemitta. A mensagem de que “Tudo vem de Ti e nós te damos o que de Ti recebemos” (1Cr 29,14). Por um lado a ênfase da parasha é que Deus é o Mestre do mundo inteiro e de tudo o que vive nele; Ele dá e Ele retira. Este é o aspecto que revela o poder de Senhorio. Mas existe também outro poder de senhorio. Senhorio implica não somente controle mas comprometimento. O conceito de “Quem comprar um servo Hebreu é como se comprasse para si mesmo um mestre” (Kiddushim 22a) abrange todo o caminho para Deus. Se este é o seu servo, então você tem responsabilidade para com ele. Não apenas o servo tem obrigações, mas assim também o mestre. Desde o momento em que uma pessoa se dirige a outra como “meu servo”, um servo pode então dirigir-se ao seu mestre como “meu mestre”; o mestre tem um dever e uma obrigação para com ele também. Autoridade e domínio não são um único sentido, antes, exige comprometimento e diz respeito a como o mestre olha seus servos, e a responsabilidade de sustentá-los e providenciar todas as suas necessidades.

Iluminados por isto, o que acontece com o homem empobrecido de quem falamos antes? Deus reconhece que não importa o quanto desafortunada essa pessoa seja, ela é Dele, assim Ele deve procurar por ela. Da mesma forma, quando o pobre homem afunda ainda mais, “e ele é vendido para um peregrino estrangeiro em seu meio ou para o meio de uma família de um pagão” (Tanhuma, Behar 2), ele é vendido à própria idolatria – mesmo assim, ele também permanece sobre a responsabilidade de Deus.

O motivo central nesta parasha é que além da mensagem de “As terras não se venderão a título definitivo, porque a terra é minha, e vós sois estrangeiros e meus inquilinos” (Lv 25,23) também existe a mensagem de que “Eu sou teu Deus quem tirou vocês para fora da terra do Egito” (Lv 25,38); “Vocês são Meus servos, quem tirou vocês para fora da terra do Egito, e não poderão ser vendidos como escravos” (Lv 25,42). E de novo: “São meus servidores, porque Eu os fiz sair do Egito” (Lv 25,55). Isso tudo para dizer, eles são  Meus servos, Meu povo; e desde que são Meus servos e são Meus, eles pertencem a Mim, com tudo o que isso envolve”.

A realidade que o texto apresenta em ambos os lados da questão é que a inteira parasha trata do mesmo assunto: Servos de Deus e a serviço de Deus. Como eles servem a Deus? Como podem ser “chamados” Sacerdotes de Deus e “denominados” ‘servos de Deus’ (Is 61,6)? A resposta dada aqui é que desde que eles pertençam a Ele, Ele pode confiscar e distribuir a terra deles, assim eles pertencem a Ele no sentido de que Ele é responsável por cuidar do seu bem estar em todo o tempo.

Um Reino de Sacerdotes

E o que então, tudo isso tem a ver com o Monte Sinai? Shemitta tem a ver com o Monte Sinai no sentido de que esta parasha é a essência do que aconteceu no Monte Sinai. A Revelação no Sinai representou a aceitação do serviço de Deus em ambos os sentidos: divino Senhorio e nosso serviço. Na parasha Behar isso está precisamente manifestado, numa forma detalhada; aqui, a Torah explica o que significa que Ele seja nosso Mestre e nós sejamos Seus servos, como isso é explicado e a que isso está relacionado.

Isso é o que exatamente Deus nos disse no Monte Sinai mesmo antes de nos dar a Torah. Aqueles poucos momentos antes da Torah ser dada foram momentos no qual Deus ainda não tinha “forçadamente imposto” a Torah sobre o povo de Israel (cf. Shabbat 88a). A quando Deus disse “Agora se realmente ouvirdes minha voz e guardardes a minha aliança, sereis para mim a porção escolhida entre todos os povos. Na realidade é minha toda a terra, mas vós sereis para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa” (EX 19,5-6).

O conceito de “Reino de Sacerdotes” é a essência de nosso serviço. Como Ibn Ezra e outros explicam, “Sacerdotes” no contexto significa “servos”: Vocês são servos de Deus. Como a Torah narra: “Moisés... para lhes expor todas essas palavras... E o povo inteiro respondeu a uma só voz: Faremos tudo quanto o SENHOR falou”. (Ex 19,7-8).  Deus pergunta ao povo se eles querem ser os Seus servos. O povo responde que embora não saibam todos os detalhes, eles querem ser os servos de Deus.

Aqui, também, na parasha Behar, Deus diz para nós: “Vocês são Meus”. Nós não temos propriedade real de nada, mas Deus irá sempre providenciar para nós, mesmo quando nós agimos como incorrigíveis. SE pensamos que vencemos por nossos próprios méritos, e que possuímos tudo, então Deus vai simplesmente tomar de volta para Si. Mas se nós fracassarmos e perdermos tudo, Ele irá providenciar para nós.

É sobre tudo isso que tomamos sobre nós mesmos no Monte Sinai. Mesmo quando nós concordamos em ser os servos de Deus, Seus inquilinos fazendeiros – na condição que nós também receberíamos os direitos de uso.