CENTRO CRISTÃO DE ESTUDOS JUDAICOS - Estudo da Parasha da Semana – Cristãos estudando as fontes judaicas – 2020 SHOFETIM – Juízes - Íntegros – Dt 16,18 – 21,9. STEINSALTZ, Rabbi Adin Even-Israel. Talks on the Parasha. Israel: Shefa- Maggid Books, 2015, p. 388-394.

Shofetim

Shofetim

A primeira letra da palavra Tamim – a letra tav – no versículo “Seja íntegro (tamim) com o SENHOR teu Deus” (Dt 18,13) é tradicionalmente escrita nos rolos da Torah com um tamanho maior do que as outras letras da palavra. Rabbi Naftali de Ropshitz costumava explicar que a razão dessa letra tav grande é que deste modo deveria haver dentro de cada um de nós um espaço amplo, onde ninguém deva se considerar tão grande ou grande demais para caber dentro dessa integridade.

O que significa “ser íntegro com o SENHOR teu Deus” ? Não é tão simples determinar que tipo de pessoa qualifica uma pessoa como “tamim”. A primeira pessoa de quem é atribuído tal adjetivo é Jacó, que era um “homem íntegro (ish tam) que residia em tendas”, não como Esaú que era “um caçador habilidoso” (Gn 25,27).

A designação ish tam é tão intimamente identificada copm Jacó que o grande comentador da literatura rabínica Tosafista Rabeinu Tam tinha esse nome porque seu primeiro nome era Jacó. Nós geralmente identificamos ish tam com alguém humilde, simplório, ou alguém ingênuo, que nem mesmo consegue realizar as tarefas mais simples. Mesmo na consideração da Torah, Jacó não parece se encaixar nesse consenso comum da descrição. Ele não é simples, nem ingênuo; pelo contrário, o Talmud afirma que quando Jacó se encontrou com Raquel e disse a ela que era irmão de seu pai, ele disse para ela “ Eu sou seu irmão por engano” (Baba Batra 123a). Com certeza, Jacó usa dessa astúcia para finalmente escapar ileso de Laban.

Em Hebraico moderno, um tamim é um inocente, uma pessoa cujas capacidades mentais podem estar faltando de algum modo. Mas este não é o sentido principal de “Seja íntegro com o SENHOR teu Deus” e sobre a palavra tamim como aparece na Torah. Antes, a Torah fala sobre teminut no sentido de totalidade e sinceridade.

A distinção pode ser vista considerando o contexto de nosso versículo. Moisés diz para o Povo de Israel que se eles quiserem saber sobre o futuro, eles não devem ser como as outras nações que “dão ouvidos aos astrólogos e adivinhadores” (Dt 18,14). Antes, eles devem ser “íntegros com o SENHOR teu Deus” – estarem completamente com Ele.

Quando o povo queria saber algo que estava oculto deles, alguns eram tentados a furtivamente tentar saber sobre isso. O rei Saul, por exemplo, pensando se podia ou não saber sobre o futuro – não através dos Urim e Thumim, nem através dos profetas, decide ir parta fora dos limites da Torah e visita uma mulher que consulta fantasmas. Quando alguma coisa é interessante e intrigante, é bastante tentador ir para fora para dar uma ‘olhada’.

“Ser íntegro com o SENHOR teu Deus” significa que devemos estar totalmente com Ele, como quando Hamor e Siquém descreveram a família de Jacó para seus concidadãos: “Estes homem estão completamente conosco” (Gn 34,21).

Para ser íntegros com o SENHOR teu Deus significa estar completamente sob o domínio de Deus e não ir para fora para dar uma olhada no futuro. Assim sendo, teminut (sinceridade) é realmente uma questão muito simples. É na simplicidade de quem vive num mundo de sinceridade.

A HABILIDADE PARA ACEITAR

Outra diferença entre tamim e o não tamim, é a habilidade para imediatamente aceitar novas coisas, seja de uma pessoa, ideia ou assunto, sem ficar constantemente perguntando se talvez o contrário seja o melhor.

Teminut (sinceridade), é medida pela reação inicial da pessoa: Ele bloqueia instintivamente tudo o que encontra, ou ele com boa vontade ouve e aceita? Após a aceitação inicial, certamente existe espaço para investigação e consideração, estudo e procura, e algumas vezes de fato acontece em perceber que o assunto em questão deva ser rejeitado. Mas a reação inicial de alguém é que determina se alguém é tamim (íntegro) ou não.

Rashi comenta que um ish tam é “alguém que não é perspicaz em enganar”. Alguns explicam que se trata aqui não sobre alguém que não saiba como enganar ou não entenda sobre o que significa o enganar o outro”, antes “perspicaz em enganar” refere-se à pessoa que logo de antemão pensa em como se sair melhor do que a outra pessoa: “Você não confia nos outros porque vocês mesmos não são confiáveis” (Is 7,9).

O Midrash conta-nos que quando Deus ofereceu a Torah para os Ismaelitas, eles perguntaram: “O que está escrito nela?” Enquanto o Povo de Israel imediatamente disse, “Nós faremos e (então) ouviremos” (Mekhilta DeRashbi, Ex 20,2). O Talmud cita as palavras de um certo sectário: “Vocês são um povo precipitado, que deu precedência para suas bocas sobre os seus ouvidos (quando vocês disseram ‘Nós faremos e então ouviremos’”. Rava respondeu a ele: “Nós, que caminhamos na integridade, sobre nós está escrito, “A integridade dos justos os guia”. Mas sobre vocês, que caminham na perversidade, está escrito, “a falsidade dos perversos os arruína” (Provérbios 11,3)” (Shabbat 88a-b).

Esta é a essência de teminut: um tamim é alguém que imediatamente diz: “Nós faremos e então escutaremos”, em vez de sempre perguntar primeiro sobre o que está escrito.
Isso significa que é mais fácil para o povo de Israel cumprir a Torah do que se tivesse sido dada para os Ismaelitas ou Edomitas? Alguém poderia argumentar justamente o contrário: É verdade que os Ismaelitas não poderiam “não cometerás adultério” e os Edomitas não poderiam aceitar o “Não matarás” (Ex 20,13), mas o povo de Israel tinha dificuldade também em aceitar todos os 10 Mandamentos do começo ao fim. Contudo, a consideração do Povo de Israel foi porque a Torah vinha de Deus, e era então responsabilidade deles em aceitá-la sem ficar antes se aprofundando em detalhes. Se houver problemas mais tarde, eles podem ser resolvidos, enfrentados e considerados, interna e externamente.

A diferença entre Israel e as Nações é a diferença entre teminut (sinceridade integridade) e o sentimento de que tudo precisa ser investigado. É sobre a boa vontade em aceitar a realidade como ela é, sem o sentimento sobre a necessidade de primeiro desmantelar a realidade, extrair o mecanismo interior, e ver como isso funciona realmente, e somente depois considerar se deve ser aceito.

UM MUNDO COMPLEXO

Quando alguém perde a habilidade de ver algo novo e simplesmente ir adiante com isso – seja por causa da própria personalidade, ou seja por causa da sociedade na qual ele vive, ou seja por causa da educação que recebeu – esta é uma forma venenosa para viver uma vida. Tal pessoa nunca mais será capaz de ver as coisas numa forma direta. Isto verdadeiramente ocorre com alguns. Eles chegam num patamar onde acreditam que por detrás de cada sorriso espreitam pensamentos escuros. Eles perderam a habilidade simples para reconhecer e aceitar o que existe de bom nas coisas.

É difícil ser tamim. Talvez, seja fácil para alguém que não tenha sofrido desapontamentos na sua vida. Para alguns que nunca tenham sido chutados por trás, seja mais fácil para eles se relacionarem com as pessoas de acordo com as expressões de suas faces. Alguns se sentem mais confortáveis com as pessoas; se alguém sorri para ele, ele sorri de volta para o outro. O problema existe primariamente com aqueles que se depararam com a desonestidade nas relações interpessoais. Mesmo com essas pessoas encarregadas em manter a integridade (teminut) delas, isso nem sempre é fácil.

Parte do que as pessoas aprenderam durante suas vidas, seja no melhor ou pior, é de que o mundo é complexo, e que nem todo mundo é o mesmo por dentro e por fora. Apesar da necessidade de viver uma vida com teminut, esta é também uma experiência que deve ser aprendida: Apesar de que nem tudo que pareça desagradável exteriormente seja desagradável no seu interior, e apesar de que nem tudo que pareça assustador deva na verdade causar alarme, o contrário é também verdadeiro; nem toda realidade agradável é na verdade tão agradável assim quando aparenta. Contudo, algumas pessoas levam essa desconfiança tão ao extremo, que se tornam incapazes de aceitar qualquer coisa que se apresente.

Após o ser humano ter comido da Árvore do Conhecimento, ele pode ter querido cuspir isso fora, porque ele provavelmente descobriu imediatamente que o prazer do conhecimento é sempre acompanhado de muita dor. O que é difícil e trágico é que uma vez tendo provado o sabor do fruto, depois da menor lambida na Árvore do Conhecimento, é muito difícil cuspir isso fora.

Uma pessoa de fé correta certa vez foi ao seu líder religioso e disse para ele: “Quando eu rezo, eu vejo diante de mim letras de fogo”. O líder religioso informou a ele que as letras representam a contemplação de Ari nas orações. O outro replicou: “Mestre, eu preferiria não ver aquelas letras, e rezar com as intenções que eu costumava rezar antes”. O mestre respondeu, “Para que se estude as contemplações de Ari e ainda não se ver aquelas legras, alguém precisa estar num nível muito maior do que o seu”.

O que pode então, ser feito? Rabbi Sansão de Kinon costumava afirmar que ele rezava com a mentalidade de uma criança, isto é, com a mesma teminut ou simplicidade que uma pequena criança tem. E este Rabbi Sansão foi uma das maiores autoridades da sua geração, autor de muitas regras do Talmud e sua grandeza estava no fato de que após tudo o que ele sabia e tinha ouvido, ele era ainda capaz de rezar “com a mentalidade de uma pequena criança”.

Hoje em dia, rezar implica um esforço espiritual que nas antigas gerações não era necessário. O trabalho espiritual para alguns não é apenas o de remover as distrações ou pensamentos estranhos, mas que as pessoas hoje não conseguem relacionar a questão da oração em si mesma; pelo contrário, elas sentem que devem conduzir todos os tipos de análises de oração. Hoje em dia, quando alguém deseja ter uma intenção adequada na oração, ele deve considerar as análises linguísticas, históricas e filosóficas antes, e mesmo as análises exotéricas, e não consegue aceitar a oração como ela mesma é. Não consegue rezar uma oração sem ficar analisando as regras da gramática e outras regras e questões.

No final, depois de ter dissecado tantas partes, se torna realmente muito difícil ver o todo, a teminut (sinceridade-integridade).

O Talmud explica sobre o versículo “Guarda silêncio, Israel, e escuta” : (Dt 27,9), dizendo, “Primeiro fica em silêncio e somente então analise” (Berakhot 63b). Primeiro existe o estágio da escuta, da aceitação. Somente então é o tempo para discutir e analisar, para derrubar e construir. Se alguém se empenha somente na análise sem reter a habilidade para receber, a ideia não se encontra mais viva, está somente dissecada em partes.

Um patologista que realiza autópsias frequentemente sabe mais sobre o corpo humano do que qualquer outra pessoa. Contudo, num certo sentido, ele agora sabe menos, porque ele nunca conheceu o todo na sua forma perfeita viva. Tudo o que ele tem para trabalhar sobre o corpo humano são partes dissecadas.

Isto é válido para uma extensa variedade de coisas, desde a fé até à oração. Integral para a oração é o apelo para fortemente servir a Deus em integridade.

EU ME AQUIETEI E ACALMEI

Cada ano, a Parashá Shofetim é próxima a ser lida de Rosh HaShana, e ao se aproximarem os dias do Arrependimento e do Julgamento é bom lembrar o que nos diz o Salmo 131,2: “Antes, me acalmo e tranquilizo”. E nesses dias é pedido que “se escute o som do Shofar”. – ouvir e aceitar. O novo começo é significativo porque define a direção do progresso de alguém, e se alguém começa a partir de um ângulo errado, existe uma chance maior de continuar desse jeito no futuro.
Mas é bom lembrarmos que esses versículos do Salmo 131 podem sim nos ajudar como podemos ser verdadeiramente íntegros com Deus:

“Cântico das subidas; de Davi.
SENHOR, meu coração não fica altivo
e meus olhos não se elevam.
Não ando atrás de grandezas
nem de maravilhas superiores a mim.
Pelo contrário, aquietei
e acalmei minha alma.
Como um bebê amamentado sobre sua mãe,
como o bebê amamentado sobre mim, assim está minha alma.
Ó Israel, aguarda pelo SENHOR,
desde agora e para sempre” (Sl 131, 1-3)

Como uma criança pequena com sua mãe, mesmo após ter sido amamentada, um grande e culto homem também pode agir assim em oração, mesmo após tendo alcançado enormes quantidades de conhecimento e interpretações. Quando alguém se encontra diante de Deus, “minha alma está comigo como criança amamentada”.

Confira as seguintes citações bíblicas: Explique a relação delas com a parashá de hoje: Mt 18,4; Mt 19,13-15; Lc 18,17 . Quais outras questões você faria diante da reflexão?