PARASHAT BERESHIT ESTUDOS


CENTRO CRISTÃO DE ESTUDOS JUDAICOS

Estudo da Parasha da Semana - Cristãos estudando as fontes judaicas 
PARASHAT BERESHIT – Gn 1,1 – 6,8
Rabbi Dr. Tzvi Hersh Weinreb
Discovering the Human Element in the Weekly Torah Portion - New York: OUPRESS – Maggid, 2016, p. 3 – 10

Conversando sobre a Criação

Quem quer que já tenha ensinado algo pode confirmar o ditado dos Sábios de Israel: “Eu aprendi sempre de todos os meus professores, mas eu aprendi mais ainda dos meus alunos”. Isso era especialmente verdade pois aprende-se muito dos seus estudantes se o professor não se limitar a dar-lhes palestras, mas antes empenhar-se numa conversa face-a-face com eles. É nesse puro e interativo diálogo que alguém aprende mais com os seus estudantes.

O imenso valor da simples conversa entre professor e aluno me trouxe à memória uma conversa que tive com dois estudantes muito diferentes. Ambos participaram de várias aulas que tinha dado sobre a Religião Judaica e seus ensinamentos. Um deles era quase inteiramente interessado no que eu chamava de “as regras e os regulamentos” do Judaísmo. O outro era bem menos interessado em lei Judaica. Ele era mais “espiritual” e tinha sempre abundantes questões sobre a natureza de Deus.

O primeiro estudante, vamos chamá-lo de Rick, estava interessado num caminho significativo para sua vida. Ele queria fazer parte de uma congregação, celebrar os dias santos, e aprender como viver diariamente a sua fé como um Judeu. O outro estudante, vamos chamá-lo de Set, era consumido por questões sobre cosmologia e as origens do Universo. Ele via Deus quase como uma força impessoal por trás da Natureza. Ele queria um relacionamento com Deus, mas questionava-se se isso era realmente possível. Ambos estudantes tinha um interesse em, após a aula, conversarem comigo. Normalmente essas conversas aconteciam numa pizzaria próxima.

Eu vividamente me lembro da tarde que eu ensinei sobre a Parashat Bereshit no Livro de Gênesis (Gn 6,1 – 6,8). Rick e Set estavam bem ansiosos quase como para me escoltarem até à pizzaria após a aula.

Rick começou a conversa firmemente me questionando o porquê da Torah incomodar-se em nos dar detalhes sobre a criação do mundo e o papel de Deus nela. “Como um Judeu”, insistia ele, “Eu apenas preciso saber como viver a minha vida, como celebrar os dias festivos, que tipo de comida é permitida (kasher) e qual não é, sobre o que é certo e errado nas esferas éticas e morais. Eu posso satisfazer minha curiosidade sobre as origens do universo consultando algum livro científico sobre o assunto. Para mim, isso não tem nada a ver com religião”.

Set, sentado do outro lado da mesa, estava absolutamente espantado. “O quê?!” ele exclamou. “A abertura desse capítulo de Gênesis é justamente o que eu preciso saber sobre como eu começo minha exploração sobre o Judaísmo. Eu preciso saber sobre Deus, do início ao fim. E esse é o Seu início”.
Eu estava fascinado por essa conversa porque ela me ajudava e me colocava numa nova perspectiva de opiniões conflitantes sobre dois dos maiores comentadores rabínicos da Bíblia, Rashi e Nachmânides.

Rashi (Shlomo ben Yitzhak), logo nas primeiras palavras do seu magisterial comentário de todo o Pentateuco, faz a mesma pergunta que estava incomodando Rick. Ele começa citando o Rabbi Yitzhak que, alguns afirmam, era nada menos que seu pai. Ele insistia em dizer que a Torah deveria ter começado pelo seguinte livro: Êxodo, que define as mitzvot (preceitos) que os Judeus são chamados a cumprir. Rashi se esforça para encontrar uma razão do porque a Torah descreve a criação em detalhados relatos da história humana nascente.

“Rick”, eu posso dizer, “sua questão já existia muitos séculos antes, por um grande homem do qual você nunca ouviu na vida”. Eu então comecei a falar sobre quem era Rashi e a importância indispensável do seu comentário. Rick agradeceu a impressão de que Rashi também parecia conceber a Torah como primeiramente um livro de “regras e regulamentos”, e então sentiu a necessidade de procurar uma razão para esse tipo de início sobre a criação.
Set estava obviamente refreando a si mesmo para reagir contra Rick e contra Rashi, mas eu me antecipei em aplacar a sua revolta. “Existiu outro grande comentador na Bíblia”, expliquei. “Seu nome era Rabbi Moisés ben Nahman. Alguns o chamam de Nachmânides. Tradicionalmente, nós o chamamos de Ramban e é comparado unicamente a Rashi, como um comentador rabínico”.

Disse a Set, enquanto Rick escutava com resistência, que Nachmânides, na abertura do parágrafo do seu comentário sobre Gênesis 1,1 que discordava da questão de Rashi. “É lógico”, afirmava ele, “que a Torah devesse começar com uma descrição da criação. Ela é a raiz da nossa fé, pois assim alguém que acreditasse que o mundo sempre tenha existido mas não tivesse sido criado pelo Todo-Poderoso num momento específico do tempo, não teria parte na Torah como um todo”.

Rick e Set estavam agradecidos por descobrir que os seus diferentes pontos de vista sobre o que é realmente importante no Judaísmo tivessem precedentes nos escritos dos dois grandes rabbis medievais. Apressei-me em desapontá-los. Eu lhes disse que era incorreto conceber de modo excludente ambas definições do Judaísmo. Não era uma questão de religião “baseada em regras” ou uma religião “baseada em Deus”.

Lembrei a eles da maravilhosa passagem dos escritos de Maimônides que fala do preceito de amar a Deus, e ele explicava que havia dois modos de cumprir esse preceito. Um modo era estudando a Sua Torah e suas leis, e outro modo era contemplando Sua surpreendente Criação, o mundo da Natureza.

Eu lhes chamei a atenção para cuidadosamente evitar reduzir a nossa fé numa ou noutra concepção. “Nossa fé não é uma fé simplista”, argumentei. “Assim como vocês fazem em seus estudos sobre Judaísmo em geral, e sobre os Cinco Livros de Moisés em particular, vocês devem perceber que nossa religião insiste em que nosso Deus é igualmente Criador e Doador de Leis. Qualquer outra concepção sobre Ele que escolha uma compreensão mas não a outra, não será um autêntico Judaísmo”

Eu agradeci a eles por mais uma vez me demonstrar o grande valor da conversa entre estudante e professor. Antes de partirmos naquela tarde, partilhei com eles uma história de outra conversa entre um professor e um aluno que tinha lido sobre as memórias do filósofo Samuel Hugo Bergmann.

Bergmann narra a história de Hermann Cohen, o filósofo judeu alemão que se aproximou mais do Judaísmo religioso nos seus últimos anos. O ponto mais alto do trabalho da sua vida foi o seu livro Religião de Razão fora das Fontes do Judaísmo. Parece que o filósofo Cohen certa vez conversou com um Judeu à moda antigsa que morava na cidade da universidade de Marburg com ele. O filósofo tentou explicar para aquele velho Judeu sua elaborada e altamente intelectual teoria sobre a natureza de Deus. O velho homem ouviu com o respeito devido a um professor universitário. Quando Cohen terminou seu ensinamento em longo discurso, seu parceiro mais velho de conversa respondeu em Yídiche, “Eu entendo tudo o que você disse, mas alguma coisa está faltando. Vu iz der Bashefer? Onde está o Criador?”

Cohen ouviu a resposta do velho Judeu e “percebeu”. Seus olhos se encheram de lágrimas, mas ele permaneceu sem palavras.

O capítulo de abertura da Parashat Bereshit assegura que todos os que o lerem não irão cometer o erro do filósofo, mas irão perceber, junto com aquele Judeu à moda antiga, que onde quer que esteja Deus, Ele é primeiramente der Bashefer, o Criador.

Para aprofundar o estudo da Palavra, confira as seguintes citações
Sb 13,5;Is 43,15; Is 62,5; Mt 19,4; Rm 1,25; Cl 3,10 ;1Pd 4,19
O que os textos bíblicos e o texto da Parashat nos mostram sobre a Palavra de Deus? Rick ou Set estão certos?
Rashi e Nachmânides apresentaram suas opiniões e depois Maimônides. Qual delas lhe parece ser a melhor sobre como nos aproximar melhor de Deus, como Criador ou como Doador de Leis?
Que outras questões surgiram a partir da leitura desses textos? As perguntas que fazemos são mais importantes que as respostas que encontramos, pois nos levam adiante no entendimento das Sagradas Escrituras.