Sei que voce sabe que eu sou brasileira! Talvez não saiba os detalhes que sou paulista, paulistana, pinheirense, corinthiana, membra da CIP e da Shalom, ex-aluna da E.E. Fernão Dias e da USP, sócia da Hebraica e associada da Sustenidos. E também sou judia.

O que voce talvez não saiba é das minhas origens e das razões que levaram a que eu nascesse no Brasil. Eu nasci brasileira por causa dos pogroms.

Tinham me dito que os pogroms não iam acontecer nunca mais! Mas não é verdade. Os pogroms voltaram, com outra língua, com outras vestimentas, em outro lugar, mas com a mesma barbárie e com o mesmo objetivo de exterminar todos os judeus do mundo.

Os pogroms aconteceram nas pequenas aldeias da Rússia, Ucrania, Romenia, Bálticos, e outros países do Leste Europeu. Começaram no final do séc. XIX e continuaram até depois da primeira guerra. Cossacos, camponeses e soldados entravam nas aldeias e decapitavam, estupravam, e matavam todos, e botavam fogo para não sobrar resquício dos judeus que lá viviam.

Foi exatamente para fugir desses pogroms desvairados que meu pai deixou a Ucrânia aos 19 anos em busca de um lugar seguro onde ele não sofresse a ameaça de ser morto só por ser judeu.
Foi essa também a razão que tirou meus avós maternos da Romenia, na virada do século.

E foi essa a razão que levou uma grande parte dos judeus a buscarem o Brasil. Seus descendentes, incluindo eu, e meus filhos e netos, formamos a comunidade judaica de São Paulo. Tenho a ventura de ser brasileira porque meu pai e meus avós maternos tiverem a sorte de conseguir escapar dos pogroms.

E, como meus pais e avós, foram mais de 2.6 milhões de judeus que deixaram a Europa no início do século XX, indo parar nos EUA, Canadá, Mexico, Argentina, Australia, e outros países, formando a diáspora judaica ao redor do mundo.

Todos os judeus que vivem hoje nesses países sabem sobre os pogroms que motivaram seus ancestrais a buscar outras nacionalidades, sem terem que deixar de serem judeus.

E talvez seja preciso lembrar que esses pogroms já tinham antecedentes nas Cruzadas Católicas, que entre os sécs. XI e XIII mataram milhares de judeus e destruíram suas aldeias, enquanto atravessavam a Europa rumo à Terra Santa. Mataram os judeus só por serem judeus.

Os pogroms também continham um ódio aos judeus semelhante àquele que existia em Portugal, em 1497, quando os reis decidiram que não haveria mais nenhum judeu em terras portuguesas. Os que não conseguiram sair a tempo do país tinham a opção de se atirarem ao mar ou de se converterem ao catolicismo. E as fogueiras estavam lá para mostrar que eles não estavam brincando.

Os pogroms não foram a última demonstração explicita e coletiva de ódio aos judeus. O partido nazista chegou ao poder e fez nova tentativa de nos exterminar: a solução final! Torturou e matou 6 milhões de judeus, só por serem judeus. Aliás, bastava ter um dos 4 avós judeu para ser considerado judeu e ser mandado para os fornos crematórios.

No meio desse desconsolo, quando foi criado o Estado de Israel em 1948, veio o compromisso de que NUNCA MAIS judeus seriam agredidos e mortos em barbárie publica só por serem judeus. Israel seria o PORTO SEGURO.

E de repente, voltam os pogroms
E ressurge o antissemitismo agora disfarçado de antissionismo.
E reaparecem as pessoas que aplaudem e justificam a carnificina.
Eu relembro as várias fugas de meus ancestrais ao longo dos séculos, e choro em saber que ainda não temos o alardeado porto seguro, e que continua a existir no mundo gente que quer aniquilar o povo judeu. Isso precisa ter fim!

Elca Rubinstein
13/10/23